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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Quando a rua vira casa - Romeu Duarte 19/11/2012


Instado certa feita quanto a onde poderia ser encontrado, Augusto Pontes, do seu confortável recanto no Bar do Pedim, deu essa aula de sabedoria: “amigo, continuo na rua, onde você infelizmente não está”. Certamente, o bruxo do Estoril, em mais uma de suas irônicas lições, dizia da importância das trocas para os seres humanos, sempre realizadas com maior eficácia na mundanidade. Em tempos cibernéticos, nos quais as redes sociais parecem ocupar totalmente o espaço e o tempo da experiência inter-pessoal, nada mais demolidor e revolucionário do que afirmar a relevância do gosto pelos prazeres do mundo, saboreados em larga e radical sinestesia.
Comecei cedo nessa lida, por saber-lhe a importância para a mente e o espírito, meu corpo, minha embalagem, pronto para ser usado e abusado nessa viagem. O ir e vir na Vila da Base Aérea, correndo atrás de bola por entre as macegas alucinógenas do campo do Maravilha Esporte Clube. Logo após, no Dionísio Torres e na Aldeota, inventariando-lhes os sanhaçus cinza-azulados, os virentes sapotizeiros e as jovens beldades nas muitas tardes vadias. Na Praia de Iracema, o vôo na alma boêmia das canções entremeado com fartos goles de etílicos néctares. No Benfica, a mão e a cabeça registrando prédios e paisagens urbanas em mundanos riscos de grafite sobre papel. Desde sempre, o interesse pela descoberta de bares, de novos lugares, do bairro escondido, da vila recôndita e bucólica, do jardim proibido, de pessoas que fazem a vida valer a pena nas quebradas do planeta.
Rua e casa, curiosa dicotomia, modos de ser e de estar, escalas diversas e cruzadas, alegoria para compreender opostos e complementares. As cidades como as casas, as casas como as cidades. A mãe zangada ralhando com o menino rueiro, para quem o lado de fora parecia ser a sua moradia. “Vou pra rua”, ir ao Centro, ampla casa onde de tudo havia (e há). Mais tarde, a decisão dele de não dirigir automóvel, principalmente por preferir a flânerie despreocupada, as várias formas de ver e gozar a urbe, em cujo burburinho perder-se exige todo um saber e treinamento. Fortaleza, cidade-mistério, crescendo na mesma proporção do desmesurado e desordenado desejo do ex-menino de tê-la e sabê-la. Como resultado, a reflexão decorrente de uma prática cotidiana, do palmilhar sem receio as cidades como o namorado à namorada, de que estas palavras, vera provocação, são fruto.
Portanto, caia na estrada e perigas ver. Sim, há o perigo: o olho rútilo do assaltante, a bala perdida subitamente achada, a lombra eterna do nóia, a mão insidiosa do estuprador, o cachorro louco do trânsito. Melhor então será o aconchego do lar, guardado por Deus, pit-bulls, câmeras e mil e um gradis, o rosto, no escuro silencioso do quarto, resplandecente de e-mails e posts. Qual nada... Ganhemos as ruas e as praças, ocupemos todos os planos e quinas, busquemos o outro em toda parte, rompamos com os nossos Alphavilles físicos e mentais, reconciliemo-nos com a cidade. Fique em casa e você não verá o mundo, que, como sabemos, não é aquilo que se oferece na tela do computador.
Claro, a cidade precisa melhorar e muito para permitir esse reencontro, a partir do que foi público voltar a sê-lo e com qualidade. Não fujamos, portanto, ao nosso dever, que é a reconquista deste lá fora, que é tão vital como o ar que se respira e que será algum dia, oxalá, o lar risonho de todos nós.

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