Tombado como patrimônio histórico desde
1983, o Farol do Mucuripe virou ponto de consumo de drogas e de
prostituição diante da falta de ação do poder público
“Escreva,
minha filha, pra ver se alguém lê e faz alguma coisa!”, pede o
comerciante Evandro Gomes Moreira, de 65 anos, na despedida de uma
conversa sobre o Farol do Mucuripe na tarde da última terça-feira, 14.
Um dia após as celebrações do aniversário de Fortaleza, O POVO voltou a
esse que é um dos símbolos da Capital, mas que vive tempos de abandono.
“Os olhos do mar”, nas palavras de Ednardo em Terral, estão à deriva e,
aparentemente, não têm quem os resgate.
Morador do
Mucuripe há quatro décadas, Evandro descreve a situação do vizinho que,
tantos domingos atrás, enchia seus olhos de beleza e hoje é território
proibido para ele e a comunidade à sua volta. “O poder público
abandonou. Antes era muito bom, eu ia sempre ver o por do sol, os navios
grandes que chegavam. Era bonito, né? Mas agora ninguém pode olhar. Se
chegar de cueca e chinela volta nu e descalço”, lamenta.
“Tá
abandonado, todo sujo”, repete Silvano Matos de Sousa, 32 anos.
Habitante da Travessa Titan, ele se surpreende com a presença da
reportagem ali sem escolta policial. A despeito do medo, lembra de
quando o acesso ao Farol era possível. “Aí era bonito, mas agora
abandonaram de vez. À noite sempre tem bagunça de droga, prostituição”,
reforça.
Os tijolos quebrados e o mato que toma conta das
escadas que levam ao Farol são só um indício do que se verá lá em cima.
“Bem-vindo ao motel”, diz uma das pichações que recebem o visitante.
“Comando Favela”, demarca outra. Os pedaços de lata de refrigerante
espalhados, sinal do uso de crack, o cheiro quase insuportável de fezes e
urina, assim como o lixo, o entulho, a água da chuva que caiu naquele
dia, alagando o térreo da edificação, denunciam que, além de abandonado,
o prédio está sendo destruído.
A escada de ferro em
espiral, ainda do século 18, já nem se segura mais. As portas, janelas,
placas de bronze e outros itens que, na última visita de O POVO, em
março de 2014, ainda resistiam, não se vêem mais. O que permanece são as
grafitagens de artistas da primeira edição do Festival Concreto, feitas
em 2013, sem autorização da Secretaria da Cultura do Estado, que tombou
a edificação em 1983.
A intervenção dos artistas gerou
muita polêmica e conseguiu chamar atenção para o descaso do Farol, mas
até agora não resultou em ações efetivas.
À época, foi
criado um grupo de trabalho com representantes da Prefeitura, do Estado e
da União, coordenado por Jorge Queiroz, superintendente da Secretaria
do Patrimônio da União (SPU) no Ceará. A SPU detém a posse e a
ingerência administrativa do Farol, mas não tem previsão de recurso para
restauro ou mesmo manutenção do prédio. Segundo Jorge, o grupo foi
desconstituído com a mudança da gestão estadual.
Jorge
Queiroz diz que há hoje um processo de cessão do Farol, por pelo menos
20 anos, para a Secretaria de Turismo de Fortaleza. A Setfor faria o
restauro do prédio dentro do projeto Praça do Titan, anunciado pelo
prefeito Roberto Cláudio durante a polêmica das grafitagens. Quando a
cessão será oficializada, bem como o uso que será dado ao Farol pela
secretaria, o superintendente não sabe dizer.
Para
Queiroz, ninguém tem interesse no Farol porque não há requalificação do
entorno. “Quem tiver interesse é só procurar a gente. Vocês não tem
interesse, não? O jornal O POVO não tem uma fundação?!”, sugeriu à
reportagem. A assessoria da Setfor confirmou o pedido de cessão, mas diz
que só será possível falar de projeto para o Farol depois da conclusão
do processo.
Sobre quando o Praça do Titan começará a ser
executada para que, assim, o Farol possa ser restaurado, a assessoria da
Prefeitura de Fortaleza informou que depende da liberação do recurso
para a construção do residencial Alto da Paz, que abrigará famílias
beneficiadas pelo projeto de urbanização Aldeia da Praia no Titanzinho,
Serviluz e Vicente Pinzón. À medida que forem feitas as remoções,
informou a assessoria, o projeto começa a ser executado.
Descaso
Para
o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará, Odilo
Almeida Filho, o abandono do Farol traz um dano enorme à memória da
cidade. “O descaso com o patrimônio histórico e com a memória coletiva é
gritante. Imaginem as ruínas do Coliseu romano pichadas. Despertaria a
indignação de todo o mundo. A tinta pode ser removida e o prédio
recuperado, mas tal descaso e abandono é revoltante e desalentador”,
critica.
O professor de História da Universidade Estadual
do Ceará (UECE), Altemar Muniz, membro do Conselho Municipal de Proteção
ao Patrimônio Histórico-Cultural de Fortaleza, acredita que o problema
do Farol está diretamente ligado à ausência de projetos de educação
patrimonial. Para ele, o Farol não suscita atenção como, por exemplo, a
Praça Portugal, por falta de mobilização da sociedade.
SAIBA MAIS
A
história do Farol do Mucuripe é intercalada por períodos de abandono e
ocupação do poder público. Em 17 de agosto de 1826, D. Pedro II aprovou a
construção do Farol. Apenas 16 anos depois a obra foi iniciada.
Concluído em 1846, só foi inaugurado em 29 de julho de 1872.
Desativado
em 1958, quando da construção do novo farol, ele passou por um período
longo de abandono. A ideia de abrigar o Museu do Jangadeiro partiu do
historiador Raimundo Girão e só aconteceu em 1982, após restauração. No
ano seguinte, o Governo do Estado tomba a edificação.
Quase dez
anos se passaram com mais negligência do poder público, até que em 1990
acontece a última grande reforma do Farol e ele é reaberto como Museu do
Jangadeiro. Fechado pouco tempo depois, a edificação é reinaugurada em
1994 como Museu de Fortaleza.
Em 2007 a Secretaria de Turismo do
Estado devolve o Farol para a SPU. Mesmo sem uso, o local contou com
vigilância até 2010. (RB)
FONTE: Banco de Dados O POVO
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