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quinta-feira, 23 de abril de 2015

Os olhos tristes do Farol

Tombado como patrimônio histórico desde 1983, o Farol do Mucuripe virou ponto de consumo de drogas e de prostituição diante da falta de ação do poder público

Após grafites polêmicos, Farol do Mucuripe segue sem vigilância e vítima do descaso
“Escreva, minha filha, pra ver se alguém lê e faz alguma coisa!”, pede o comerciante Evandro Gomes Moreira, de 65 anos, na despedida de uma conversa sobre o Farol do Mucuripe na tarde da última terça-feira, 14. Um dia após as celebrações do aniversário de Fortaleza, O POVO voltou a esse que é um dos símbolos da Capital, mas que vive tempos de abandono. “Os olhos do mar”, nas palavras de Ednardo em Terral, estão à deriva e, aparentemente, não têm quem os resgate.

Morador do Mucuripe há quatro décadas, Evandro descreve a situação do vizinho que, tantos domingos atrás, enchia seus olhos de beleza e hoje é território proibido para ele e a comunidade à sua volta. “O poder público abandonou. Antes era muito bom, eu ia sempre ver o por do sol, os navios grandes que chegavam. Era bonito, né? Mas agora ninguém pode olhar. Se chegar de cueca e chinela volta nu e descalço”, lamenta.

“Tá abandonado, todo sujo”, repete Silvano Matos de Sousa, 32 anos. Habitante da Travessa Titan, ele se surpreende com a presença da reportagem ali sem escolta policial. A despeito do medo, lembra de quando o acesso ao Farol era possível. “Aí era bonito, mas agora abandonaram de vez. À noite sempre tem bagunça de droga, prostituição”, reforça.

Os tijolos quebrados e o mato que toma conta das escadas que levam ao Farol são só um indício do que se verá lá em cima. “Bem-vindo ao motel”, diz uma das pichações que recebem o visitante. “Comando Favela”, demarca outra. Os pedaços de lata de refrigerante espalhados, sinal do uso de crack, o cheiro quase insuportável de fezes e urina, assim como o lixo, o entulho, a água da chuva que caiu naquele dia, alagando o térreo da edificação, denunciam que, além de abandonado, o prédio está sendo destruído.

A escada de ferro em espiral, ainda do século 18, já nem se segura mais. As portas, janelas, placas de bronze e outros itens que, na última visita de O POVO, em março de 2014, ainda resistiam, não se vêem mais. O que permanece são as grafitagens de artistas da primeira edição do Festival Concreto, feitas em 2013, sem autorização da Secretaria da Cultura do Estado, que tombou a edificação em 1983.

A intervenção dos artistas gerou muita polêmica e conseguiu chamar atenção para o descaso do Farol, mas até agora não resultou em ações efetivas.

À época, foi criado um grupo de trabalho com representantes da Prefeitura, do Estado e da União, coordenado por Jorge Queiroz, superintendente da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) no Ceará. A SPU detém a posse e a ingerência administrativa do Farol, mas não tem previsão de recurso para restauro ou mesmo manutenção do prédio. Segundo Jorge, o grupo foi desconstituído com a mudança da gestão estadual.

Jorge Queiroz diz que há hoje um processo de cessão do Farol, por pelo menos 20 anos, para a Secretaria de Turismo de Fortaleza. A Setfor faria o restauro do prédio dentro do projeto Praça do Titan, anunciado pelo prefeito Roberto Cláudio durante a polêmica das grafitagens. Quando a cessão será oficializada, bem como o uso que será dado ao Farol pela secretaria, o superintendente não sabe dizer.

Para Queiroz, ninguém tem interesse no Farol porque não há requalificação do entorno. “Quem tiver interesse é só procurar a gente. Vocês não tem interesse, não? O jornal O POVO não tem uma fundação?!”, sugeriu à reportagem. A assessoria da Setfor confirmou o pedido de cessão, mas diz que só será possível falar de projeto para o Farol depois da conclusão do processo.

Sobre quando o Praça do Titan começará a ser executada para que, assim, o Farol possa ser restaurado, a assessoria da Prefeitura de Fortaleza informou que depende da liberação do recurso para a construção do residencial Alto da Paz, que abrigará famílias beneficiadas pelo projeto de urbanização Aldeia da Praia no Titanzinho, Serviluz e Vicente Pinzón. À medida que forem feitas as remoções, informou a assessoria, o projeto começa a ser executado.

Descaso
Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará, Odilo Almeida Filho, o abandono do Farol traz um dano enorme à memória da cidade. “O descaso com o patrimônio histórico e com a memória coletiva é gritante. Imaginem as ruínas do Coliseu romano pichadas. Despertaria a indignação de todo o mundo. A tinta pode ser removida e o prédio recuperado, mas tal descaso e abandono é revoltante e desalentador”, critica.

O professor de História da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Altemar Muniz, membro do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural de Fortaleza, acredita que o problema do Farol está diretamente ligado à ausência de projetos de educação patrimonial. Para ele, o Farol não suscita atenção como, por exemplo, a Praça Portugal, por falta de mobilização da sociedade.

SAIBA MAIS

A história do Farol do Mucuripe é intercalada por períodos de abandono e ocupação do poder público. Em 17 de agosto de 1826, D. Pedro II aprovou a construção do Farol. Apenas 16 anos depois a obra foi iniciada. Concluído em 1846, só foi inaugurado em 29 de julho de 1872.

Desativado em 1958, quando da construção do novo farol, ele passou por um período longo de abandono. A ideia de abrigar o Museu do Jangadeiro partiu do historiador Raimundo Girão e só aconteceu em 1982, após restauração. No ano seguinte, o Governo do Estado tomba a edificação.

Quase dez anos se passaram com mais negligência do poder público, até que em 1990 acontece a última grande reforma do Farol e ele é reaberto como Museu do Jangadeiro. Fechado pouco tempo depois, a edificação é reinaugurada em 1994 como Museu de Fortaleza.

Em 2007 a Secretaria de Turismo do Estado devolve o Farol para a SPU. Mesmo sem uso, o local contou com vigilância até 2010. (RB)


FONTE: Banco de Dados O POVO

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