O primo distante

Estavas tão tranquilo, orbitando placidamente à volta do teu sol particular, que talvez nem tenhas notado o que fizeram contigo. O homem, bicho curioso, munido de suas sondas, observatórios e telescópios, flagrou-te em meio a uma nuvem de poeira cósmica. Mal te achou, já saiu bradando aos quatro ventos que és muito parecido com a Terra, com características geológicas em tudo similares às desta nave-mãe, e que ocupas uma zona no espaço sideral possivelmente habitável. Ato contínuo, deram-te um apelido ligado ao nome de tua estrela-mor, Kepler-452b, assim batizada em homenagem ao famoso astrônomo e matemático alemão, autor das três leis fundamentais da mecânica celeste. Fosse comigo, sabedor dos tais interesses humanos, preocupar-me-ia.

Tuas intimidades, desde que foste descoberto, têm sido amplamente reveladas sem qualquer pudor. És 60% maior que este planeta, gastas exatos 385 dias para realizar tuas circunvoluções e te encontras a 1.400 anos-luz de distância daqui. És antigo, completaste recentemente 6 bilhões de primaveras. Teu astro-rei é mais velho 1,5 bilhão de anos do que o nosso e tem a mesma temperatura deste, sendo 20% mais brilhante e 10% mais gordo. Somente tua composição material ainda permanece indeterminada, segredo a ser divulgado em breve. Deixando de lado essa cultura de almanaque, surge-me a impressão que atingiste o status de celebridade, posta em nudez total pela nossa louca vontade de tudo dar conta. Dizia o Ibrahim: em sociedade tudo se sabe, não é?

És habitado, Kepler-452b? Se afirmativo, como é então essa tua gente? Bebem aos sábados, vão à missa aos domingos, traem às segundas à tarde, matam-se violentamente às terças?

A confusão, entretanto, está apenas começando. A raça humana, capaz do sublime e do terrível, através dos seus cientistas, já conjectura sobre a viabilidade da vida como a conhecemos em tua superfície. Estará em curso um plano para tua conquista? A eterna e angustiante pergunta “estamos sós no Universo?” será finalmente respondida? És habitado, Kepler-452b? Se afirmativo, como é então essa tua gente? Bebem aos sábados, vão à missa aos domingos, traem às segundas à tarde, matam-se violentamente às terças? Ou será que essa tua semelhança conosco é puro jogo de cena? É bom tomares cuidado: tudo aquilo em que pomos a mão (o olho) passa a ser nosso. Quem sabe já, já não estarás rendido, subjugado ao tacão da bota terráquea?

Daqui de onde estou, te envio mil desculpas por terem perturbado tua paz. Meus iguais pensam que sabem o que fazem. Tua face, de um marrom esverdeado, já estampa as páginas dos jornais, aparece na tela da TV, movimenta as redes sociais. Ontem no bar conversei com pessoas desesperançadas que te enxergam como porto seguro, vez que, para elas, não há mais futuro aqui. Na mesma mesa, havia outras, animadas e novidadeiras, já te elegendo como próximo destino turístico para as férias de verão. Receberás com flores astrais nossos primeiros astronautas? Enquanto reflito, bóias numa rota circular, em teu sistema solar, ouvindo a música celestial das esferas. Tudo é calma e exatidão na trajetória dessa explosão sem início e fim.

Coluna do Arquiteto e Urbanista Romeu Duarte para o jornal O Povo em 27/07/2015.