Endereço: Av. Carapinima, 2425 - Benfica |Cep: 60015-290 - Fortaleza - CE |Tel: (85) 3283.5454 / 88973480
Email: iabce@iabce.org.br| Site oficial do IAB-CE | Página Facebook | Perfil Facebook | Twitter

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Coluna Romeu Duarte: Cidade, Saudade

Aos irmãos Nelson e Ricardo Bezerra

As grandes cidades do mundo sempre mereceram dos fotógrafos, seus melhores amantes, registros especiais dos seus momentos mais importantes, sejam eles alegres ou doídos. O olho treinado, dependente da luz e da sombra, revela peculiaridades, capta mistérios, expõe belezas e tragédias. O corpo e a alma das urbes mostram-se desinibidos pelas lentes desses profissionais, de forma sempre contundente nos instantes das profundas transformações por que passam essas aglomerações humanas. Estes são pensamentos que me ocorreram ao visitar uma singela e tocante exposição de fotografias em curso no MAUC, na qual a Fortaleza dos anos de 1970 é retratada. A Loura da minha adolescência e início de idade adulta está toda lá, sedutora em sua tranqüila simplicidade.

O olhar percorre as imagens e aciona o motor da recordação. O casal de anciãos, em sua discreta elegância, assiste ao desfile das jangadas. As rodas de violão e poesia ao por do sol nas dunas do Mucuripe. O farol velho, em petição de miséria, com o menino corajoso em pé sobre o peitoril da janela. Belas mulheres com as cabeças cobertas por véus, os hippies da Beira-Mar, o dono do bar de celebrada boêmia flagrado sem camisa, barrigudo e de ressaca, jovens promessas musicais arriscando-se no programa de calouros. O castelo entre mangueiras e jasmins florados que a ganância pôs abaixo. Gente boa que já foi, que ainda está por aí, que desapareceu sem deixar vestígios. As modas, as roupas, os cabelos, a arquitetura, o reclame. Piabas secando sobre a esteira de palha.

No meio das fotografias, uma me chamou particularmente a atenção pelo que tem de lembrança, graça e possibilidade. Um rapaz deitado numa rede branca mira enfadado a máquina fotográfica, sua bonita namorada bate continência sob um chapéu de aba curta, seu irmão (na verdade, o autor da foto), por trás de um farto bigode, segura um cartaz, estrelas nascentes da moderna música cearense curtindo suas molecagens, o imenso compositor fazendo cara de magoado, o potente rádio Transglobe sobre a cama desarrumada. Pois é, naquele tempo as coisas eram assim. Uma cultura de curriola, de turma boa ligada nos encontros diários do Estoril, pessoas escrevendo, compondo, tocando, pintando, atuando, desenhando, endoidando e se alumbrando juntas, o que hoje não há.

Mas é a terra que viu Alencar nascer a principal personagem da mostra. Documentada na exata ocasião em que se transformava em metrópole, nossa capital é vista de diversos ângulos, já dando pistas do seu inchaço vertiginoso, de sua atroz desigualdade, do seu pouco caso com o patrimônio, do desastre urbano que acabou por se constituir. As tomadas aéreas já denunciavam o abandono do Centro, a troca da Aldeota horizontal por outra vertical, a ocupação frenética dos bairros praianos, ruas, avenidas e rodovias novas rasgando o mato e impondo, de qualquer jeito, a urbanização. Findo o passeio visual, despedi-me dos presentes e penetrei na noite, a bordo de um táxi. “Sou outro em mim, memória da cidade, que se sonha outra vez na claridade”. É isso aí, Adriano Espínola.



Coluna do Arquiteto e Urbanista Romeu Duarte para o jornal O Povo em 31/08/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário