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quinta-feira, 13 de abril de 2017

Fortaleza 291 anos: Por uma Cidadde para todos


Hoje, aniversário de Fortaleza, o IAB-CE lança a série de Artigos “Fortaleza 291 anos”, uma reunião de artigos refletindo sobre a Cidade por Arquitetos e Urbanistas. Durante todo este mês, eles serão publicados no site do IAB-CE.O primeiro texto da série, escrito pelo Arquiteto  e Urbanista  Beto Almeida reflete por que, Fortaleza não é uma cidade para todos.

O Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Ceará, reafirmando seu papel histórico em defesa da qualidade ambiental e urbanística das cidades do estado, e, de forma especial, de Fortaleza,  compreende ser necessário intensificar o debate acerca dos graves problemas  que afligem a população de uma das maiores metrópoles do Brasil. Assim,  na data em que é comemorada a fundação da capital cearense, há quase três séculos, o IAB-CE dá continuidade ao  debate sobre a questão urbana, missão que abraçou desde sua inauguração, precisamente numa quinta-feira, 18 de abril de 1957, há sessenta anos."A quinta maior cidade do país (...),vem, mais e mais, se constituindo em um funesto exemplo de negação da cidadania pela desconsideração ao atendimento dos direitos mais elementares do homem e da sua dignidade". As palavras são do arquiteto José Alberto de Almeida, sócio e ex- presidente do IAB-CE, além de ter integrado o Conselho Superior do Brasil. Beto atendeu ao convite da diretoria do nosso instituto para avivar o debate, que almejamos ampliar e aprofundar, permanentemente.


Você pode conferir  também ,o texto integral no site do IAB-CE aqui.

Fortaleza, por uma cidade de todos


Beto Almeida
Inverter as prioridades é assumir a ética da equidade, dando mais a quem tem menos, menos a quem tem mais, o mínimo a quem tem muito e nada para quem tem tudo. (Isso não é um provérbio chinês)

As cidades brasileiras, em especial as grandes metrópoles, são o retrato perfeito de uma sociedade que se construiu e se reproduz sobre a exploração da maioria da população. Ao longo do tempo as cidades foram se constituindo, não em um espaço de convivência, mas, no locus da segregação, da exclusão e onde a marginalidade ganha espaços, a violência confronta o Estado, e Fortaleza, a nossa cidade, não escapa a essa constatação.
Mais uma vez, como sempre acontece quando as chuvas caem com mais intensidade, expõem-se as suas entranhas a demonstrar, de forma clara, a face cruel da desigualdade social e aquilo que, elegantemente, o “Plano 2040” registra como  “construída sem um planejamento constante de seu crescimento, sem antecipações com respeito à hierarquização de sua malha viária, sem considerações sobre os usos do solo e suas movimentações decorrentes” por parte de sucessivas gestões municipais agravando o “apartheid” social nela estabelecido, diagnosticando que “a cidade e sua forma apresentam urgente necessidade de priorizar os aspectos de conectividade e mobilidade urbana para a promoção de acessos”
A quinta maior cidade do país entre as dez capitais brasileiras mais populosas, tendo quadruplicado a sua população nas últimas décadas,vem, mais e mais, se constituindo em um funesto exemplo de negação da cidadania pela desconsideração ao atendimento dos direitos mais elementares do homem e da sua dignidade.
Ao longo do tempo a organização sócio espacial da cidade de Fortaleza traduziu-se em um modelo de crescimento que concentra a população de mais alta renda, serviços e equipamentos sociais de maior importância em determinados bairros e espalha o restante da população sem considerar, minimamente, questões como o meio ambiente, existência de equipamentos e intra-estrutura de serviços.
Registramos na cidade, áreas que detém menos de 15% da população e mais de 40% da renda e áreas que, apesar de contarem com mais de 21% da população, detém pouco mais de 10% da renda. Enquanto isso, recursos são destinados a viadutos e obras viárias, ainda que se registrem alguns avanços na melhoria da circulação do transporte público, ao passo que canais de drenagem ainda permanecem obstruídos com suas águas poluídas invadindo residências e atingindo frontalmente as populações mais pobres.
Resta-nos constatar, pela mais absoluta obviedade, que vivemos em uma Fortaleza dividida. De um lado temos uma cidade rica, equipada e relativamente pouco atingida pelos fenômenos climáticos cíclicos, e de outro uma cidade pobre, desequipada onde mora a maioria da população, conformando uma urbanização desigual a exibir as chagas da pobreza e da exclusão.
Apesar da existência de instrumentos  já reconhecidos (O Estatuto da Cidade - Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, aprovado após 13 anos de tramitação, está prestes a completar 16 anos de sua aprovação), as dificuldades de implementação dos mesmos interpostas pelo poder econômico e suas relações com o poder político,  resulta na manutenção/ampliação de vazios urbanos a agregar valor aos seus detentores, enquanto a grande massa de excluídos permanece “empilhada” em áreas de risco a mercê das inundações e dos desmoronamentos, ou fazem das ruas, praças e calçadas os locais de sua sobrevivência.
Que cidade queremos construir? Que ambiente urbano queremos legar aos nossos descendentes? Que civilização? Uma cidade constituída de algumas “ilhas de prosperidade” dotadas de bons serviços, cercadas por “oceanos” de indigentes que habitam o lixo por ser esta a única opção que lhes foi permitida? Ou o nosso destino será a convivência com condomínios fechados e centros de compra nos quais a tranquilidade está garantida por esquemas de segurança privada.
Enquanto parte da sociedade se fecha em determinados territórios, ao grupo majoritário só resta o espaço público, para muitos símbolo de insegurança e violência, para outros  local de trabalho ou mesmo de moradia, aí como refúgio de sobrevivência. Perde-se gradativamente o uso multifuncional dos espaços urbanos restando como uso de todos o espaço da circulação onde se corre e se pede perdão pela pressa (Sinal fechedo, Paulinho da Viola). Insistir nesse caminho e nesse modelo é contribuir para o aumento da marginalidade  social no rumo da violência urbana, um caminho sem volta.
Como sujeitos políticos e sociais temos a obrigação de dizer não a este modelo e construir um outro modelo de cidade que seja capaz de suprimir as causas deste que, ao não considerar a dignidade da maioria da população, nega-lhe a cidadania como valor fundamental da democracia.
O Plano Fortaleza 2040 apresenta-se arrimado em premissas válidas, diagnósticos corretos e propostas inovadoras, mas o que nos preocupa é que a nossa história registra diversos momentos em que planos foram produzidos, inclusive coletivamente, com muitas intenções e… pouquíssimos gestos. Enfim, o que a nossa história demonstra é exatamente aquilo que o Plano cuidou de registrar:
Garantir que o Plano Fortaleza 2040 fosse levado em consideração e executado pelas próximas seis gestões municipais foi uma das maiores preocupações manifestadas pelos milhares de participantes presentes no processo de formulação. O que é muito natural dado que dezenas de planos foram elaboradas para Fortaleza e muito pouco de uns poucos foi executado. Não há cultura de planejamento nem muito menos de continuidade entre uma gestão e outra, em geral mais preocupadas em desenvolver seu marketing político do que desenvolver a própria cidade.
A decisão de dar a devida importância no Plano à questão da Governança revela uma preocupação  fundamental com a sua continuidade, uma vez que deixa claro que o eixo estratégico “Governança Municipal” é o que assegura a execução dos outros eixos estratégicos e os seus resultados na transformação da Cidade. O texto de Introdução a este Eixo registra um conjunto de preocupações por nós já referidas e cuja superação é fundamental:
Fortaleza vem apresentando contexto marcado por profunda vulnerabilidade social, com mais de 44% da população residindo em pouco mais de 12% do território na forma de assentamentos precários, com ampla desestruturação familiar e desintegração social, com diversos bairros sob controle de grupos de traficantes atuando como milícia, ao mesmo tempo em que promovem o amplo consumo de drogas, principalmente entre o público jovem, vítimas de índices absurdos de violência e marginalizados por uma sociedade com elevada concentração de renda, resultando na ampliação de ocorrências de crimes contra o patrimônio nos bairros mais ricos, gerando crescente sentimento de insegurança – contexto típico de sociedades muito desiguais.
O caminho para alcançar esse objetivo (continuidade) e superar obstáculos reconhecidamente difíceis, passa, necessariamente, pela articulação do conjunto das forças políticas e sociais tendo por objetivo a ampliação dos espaços de participação dos cidadãos e da sociedade civil na definição desse novo projeto. Será possível adquirir autonomia frente aos ciclos eleitorais?
A participação ativa da sociedade organizada é fundamental para ampliar a representação dessas forças na composição dos parlamentos e na eleição de gestores comprometidos com a luta desses segmentos, ainda que não se tenha segurança acerca da estrutura de articulação interna do Poder Municipal, suas instâncias e se os mecanismos de participação são relevantes para sua sustentação política e sua efetividade. Afinal,  governos de coalisão são… governos de coalisão.
O quadro atual de convergência entre as forças que compõem os Executivos municipal e estadual é um indicador propício a que avanços possam ser alcançados. Apesar das críticas que registramos em relação aos problemas que podem decorrer dos chamados governos de coalisão, entendemos que eventuais divergências circunstanciais ou mesmo conjunturais podem ser superadas, desde que se construa essa unidade com base na convergência daqueles que estejam identificados politicamente com os mesmos objetivos estratégicos referenciados pela ética na política, pelo aprofundamento da democracia, ampliação da cidadania e na capacidade técnica e administrativa, de modo a promover as transformações sociais, econômicas, ambientais, urbanísticas, culturais e políticas que Fortaleza, de há muito, está a carecer.
Sabemos que os limites existem e a arte da política é, basicamente, negociar, compor e recompor, consolidar avanços, desde que a ética seja a grande referência. Difícil fazer? Sim, porém absolutamente necessário.
A atual administração municipal, legitimada pelas urnas, ao elaborar o Plano Fortaleza 2040 assinala não poder se escusar dos desejos da sociedade na (re)construção de uma Fortaleza conectada, com equidade, acessível e justa, por meio da inclusão social, da redução das desigualdades, da ampliação da mobilidade urbana, da promoção da cidadania e do fortalecimento da democracia.
É fato que o país passa por um momento difícil e de alta complexidade. Partindo de uma proposta de construção de um Estado que, pela via democrática, valor universal inquestionável, ampliasse a participação popular na condução dos seus negócios, perdeu-se em concessões na manutenção de um governo de composição. Embora se possa ter uma compreensão dialética do processo que se desenvolve em um governo de composição, se  tem-se limites para consolidar os necessários avanços, deve-se ter limites para a aceitação de certas práticas. Há sempre que se cuidar para que governos de composição não venham a se transformar em governos em decomposição a partir da ação deletéria de seus próprios aliados.
Apesar de tudo é preciso reconhecer que a história universal é rica de exemplos em que forças políticas se aglutinaram em torno de objetivos estratégicos comuns. Não nos é difícil identificar, para o caso da nossa cidade, que essas possibilidades existem e os novos rumos que necessitam ser imprimidos à uma administração de caráter verdadeiramente transformador.
A cidade de Fortaleza, abrigo de tantos movimentos libertários e republicanos, não pode, em respeito à sua história, deixar de buscar a promoção dos necessários avanços com vistas à construção de  uma cidade de todos, ou seja, o objetivo deve ser a busca de uma modernização democrática, portanto includente, a se contrapor às práticas que trazem em seu cerne a segregação e a exclusão.
Não cremos que planos corretos e adequados tecnicamente possam, por si só,  superar  os conflitos aí postos quando questões centrais se fundam na correlação de forças presente em nossa sociedade. O que devemos é buscar uma condição onde grupos de indivíduos situados nos diferentes pontos da hierarquia social possam negociar seus interesses como iguais, permitindo a regulação dos conflitos e a ampliação da igualdade pela gestão das políticas públicas. Fazer esse contraponto. Questionar (ou romper?) paradigmas. Fazer do usuário da cidade o grande aliado na implementação dos programas. Os insucessos por conta da inexistência de uma cultura de planejamento e da descontinuidade não devem levar à resignação. Ao contrário. Sempre haverá um poeta a lembrar:
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
                               (Mário Quintana)


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