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quarta-feira, 7 de abril de 2010

Cidades no limite (Editorial O GLOBO)


A região metropolitana de São Paulo enfrentou no verão temporais semanas seguidas, e com regularidade de relógio. Quase sempre no final da tarde, a enxurrada fez transbordar rios, paralisou as marginais do Tietê e Pinheiros, vias essenciais e já saturadas.

Medidos pela autoridade de trânsito, alguns engarrafamentos chegaram a somar 200 quilômetros, perto da metade da distância entre Rio e São Paulo.

Analistas políticos incluíram entre as vítimas das enchentes a popularidade do prefeito Gilberto Kassab (DEM) e até a imagem de administrador público edificada pelo governador tucano José Serra, candidato a presidente.

De tempos em tempos, assistem-se às cenas angustiantes de pessoas carregadas por um córrego em Belo Horizonte, o qual assume dimensões e ferocidade amazônicas quando chove forte na capital mineira — cercada de montanhas e, por isto, vulnerável a este tipo de “cabeça d'água”.

Casos graves de chuvaradas ocorrem também em Santa Catarina, e assim no Brasil afora. Cheias, desmoronamentos fazem parte da crônica de muitas regiões brasileiras. O Rio sequer é uma vítima inédita.

Lembremo-nos de pelo menos duas chuvas torrenciais na década de 60, no século passado, com incontáveis vítimas. Numa delas, a de 66, até um prédio de classe média desabou em Laranjeiras (General Glicério).

O bairro de Santa Teresa quase desceu pelas encostas. Superada a catástrofe, decidiu-se criar a GeoRio e fazer-se um amplo plano de contenção de encostas. Deu certo, tanto que existem áreas aparentemente bem assentadas até hoje.

Mas o problema de uma região costeira, ornada de montanhas, continua. E continua porque há causas estruturais — muitas provocadas pela miopia dos homens públicos — intocadas. Como existem também causas idênticas na região metropolitana de São Paulo e em muitas outras cidades do país.

O administrador público sempre tenta se escudar na magnitude das enxurradas. Em 24 horas, calcula-se, choveu no Rio o suficiente para encher 300 mil piscinas olímpicas. Foi muito, mas não pode servir de pretexto para passar a borracha do esquecimento sobre tudo o que já se cometeu de errado na região metropolitana carioca, nada muito diferente dos equívocos verificados em São Paulo, Belo Horizonte etc: ocupação irregular de áreas de risco, baixo ou nenhum investimento na infraestrutura urbana em geral, com destaque para transporte de massa rápido, barato e seguro, para se dar exemplos.

Nessas horas, políticos apontam para a ocupação de áreas de risco. O presidente Lula, ontem no Rio, foi um deles. Mas a favelização se deu e se dá devido a eles próprios, os políticos. No poder ou na oposição, costumam assumir posturas demagógicas de defensores dos “pobres sem teto”. Que ficam, então, nas encostas cariocas, nas várzeas dos rios paulistanos.

Quando vem a água, é pedido para eles se retirarem, por segurança. É mais do que irônico — é cínico. Esta enxurrada no Rio não é caso à parte das tragédias ocorridas em São Paulo e em outros centros urbanos brasileiros.

O país se urbanizou em alta velocidade, e o mesmo descaso com a moradia da população pobre verificado desde sempre não se alterou. Não se procurou combater a favelização, e ainda se demonizou o termo “remoção”.

E assim não se investiu em transporte eficiente de massa para ocupar áreas seguras distantes dos bairros que empregam a mão de obra menos qualificada. São Paulo tem investido mais que o Rio de Janeiro em metrô e trens. Mas a região metropolitana da cidade parece correr à frente dos governos.

Numa visão mais ampla, é todo o Brasil cuja infraestrutura se mostra incapaz de atender à pressão do crescimento: aeroportos, estradas, ferrovias, portos, saneamento. Claro que falta manutenção e limpeza de bueiros.

Mas falta algo bem mais amplo: o Estado, direta e indiretamente — em parceria com o setor privado —, investir na sustentação das cidades, no transporte de pessoas e mercadorias, na efetiva melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. E deixar de gastar bilhões em despesas que não são em cimento, tijolo, asfalto. Amanhã ou depois, o sol retornará, e o risco é essas questões voltarem a ser esquecidas.

Fonte: O GLOBO Online. Imagem Agencia O GLOBO.

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