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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Fios aéreos prejudicam arquitetura e paisagem

 O Ceará, segundo a Coelce, contém 120 mil quilômetros de fiação exposta e apenas dez quilômetros subterrânea
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É difícil encontrar uma área de Fortaleza que não seja cortada por um amontoado de fios desordenados. Árvores impedidas de crescer e pessoas com dificuldades de enxergar a cidade como tal. A fiação que surge de inúmeros postes colocados nas calçadas deixa ruas e avenidas com uma paisagem poluída, confusa e feia.

À medida que Fortaleza cresce, a quantidade de fios também aumenta. Segundo a Companhia Energética do Ceará (Coelce), o Estado apresenta 120 mil Km de fios elétricos aéreos e apenas dez Km de fiação subterrânea. Em Fortaleza, apenas três Km de fiação são internos. A Praça do Ferreira e a Avenida Monsenhor Tabosa são os únicos espaços sem fios expostos.

Seja no Centro da Cidade, na Aldeota ou no Henrique Jorge, a fiação ocupa o seu espaço de uma maneira que os fortalezenses não entendem. A situação vai se tornando mais caótica com a chegada de novas empresas de telefonias e de TV a cabo.

A cena mais comum em muitas vias da cidade é de um volume enorme de fios com saída de um único poste que passam de um lado ao outro da rua. A vendedora Flaviana Gomes de Lima, 20 anos, trabalha diariamente no Centro, mas nunca tinha percebido o grande número de fios que estava ao seu redor e o prejuízo que eles trazem à beleza da cidade. "É horrível. Eles saem sem nenhuma organização. Parece que brigam por espaço. Os responsáveis poderiam dar um jeito nisso".

Solução humanizada
Essa solução desejada por Flaviana e tantos outros poderia ser voltada para a colocação subterrânea dos fios. Para Odilo Almeida, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Ceará (IAB-CE), esta seria a medida mais adequada a ser realizada. Segundo ele, a fiação aérea traz dois graves prejuízos tanto à arquitetura de Fortaleza quanto à qualidade de vida das pessoas que nela habitam.

O primeiro, conforme explica, diz respeito à poluição visual causada pela exposição dos fios, atrapalhando a visibilidade dos monumentos arquitetônicos. O segundo prejuízo está ligado à arborização urbana, já que as árvores precisam ser permanentemente podadas por conta da fiação. "Tendo em vista que os fios e os postes são trocados periodicamente, defendemos que nesta mudança a fiação seja embutida, sendo seguida pela padronização das calçadas".

Odilo Almeida enfatiza que além desses dois pontos que diretamente contribuem para deixar Fortaleza com aspecto feio e poluído, a colocação de postes para receber os fios reduz a acessibilidade, visto que os mesmos são colocados nas calçadas. "Várias cidades, como Belo Horizonte, utilizam fios subterrâneos por ser uma solução mais humanizada, que garante uma vida mais agradável. Essa seria uma gentileza urbana. A solução é óbvia e a mensagem é simples".

Diversos pontos de fiação em diferentes bairros de Fortaleza chamam atenção. Na Rua João Brígido, no bairro Dionísio Torres, o amontoado de fios impede que as árvores cresçam e deixa a rua com uma paisagem nada bonita de se ver.

Sobre a podação das árvores, Roberto Rodrigues, presidente da Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb), explica que essa atividade é executada em parceria com a Coelce. "Os nossos técnicos não possuem uma formação adequada para lidar com fios de alta tensão, por isso sempre entramos em contato com a Coelce".

Em outro local, na Praça do Ferreira, considerada o ponto central da cidade, Renato Grande Lima, 37 anos, se diz surpreso com a quantidade de fios que cortam as ruas próximas. "Além de deixar o local feio, ainda ficamos com medo de que aconteça alguma coisa, como um desses fios se soltar ou um curto-circuito, já que é uma confusão".

Na Rua Santa Filomena, no Henrique Jorge, o cenário também pode ser considerado crítico. Em apenas dois pequenos quarteirões pode ser contabilizado 12 postes, em uma única esquina foram colocados dois equipamentos, um do lado do outro. Contudo, o número de postes pode ser explicado pela quantidade surpreendente de fios. Saber a origem de cada um deles é uma tarefa quase impossível de ser cumprida por um cidadão comum.

De acordo com José Távora Batista, diretor técnico da Coelce, o número de fios e postes é justificado pelo crescimento da demanda. "Sabemos que os fios não são esteticamente agradáveis, mas precisamos colocá-los saindo de um único poste por conta da quantidade de casas. Não é possível colocar um poste para cada residência, pois o número de postes seria enorme".

Inviabilidade
José Távora explica que implantar fiação subterrânea em Fortaleza "é inviável, já que precisaria de um planejamento urbano antecipado, pois envolve as redes de telefonia e de esgoto". José Távora ressalta que a implantação da "fiação subterrânea representa um custo oito vezes maior que os fios aéreos".

Sobre a questão dos dois postes em uma única esquina da Rua Santa Filomena, a Coelce informa que enviará uma equipe ao local. A Companhia destaca que para a podação das árvores, as pessoas devem entrar em contato apenas quando as folhas estiverem encostando nos fios elétricos.

PROTAGONISTA
Rua cortada por fios
O comerciante Edvaldo Lima, 56 anos, relembra como era a Rua Santa Filomena, no Henrique Jorge, há cerca de 18 anos, época em que se estabeleceu no local. "O número de casas era baixo, assim como o de postes e de fios, que hoje chamam atenção de quem chega aqui". Na esquina onde fica a casa de Edvaldo, foram colocados dois postes que reúnem uma quantidade enorme de fiação que é distribuída para várias residências. "Acho que eles colocaram os postes para me proteger de um carro desgovernado", brinca. O grande número de fios que cortam a rua de um lado ao outro parece um rolo de lã desenrolado.

EDVALDO LIMA, 56 anos, comerciante
EM SOBRAL
Fiação subterrânea permite visão plena de prédios históricos
Contemplar a beleza de um prédio histórico ou tirar uma foto sem ter que se preocupar com os fios que passam na frente deles parece estar se tornando realidade. Prezar pela boa aparência, nitidez e por um ambiente menos poluído é fundamental, principalmente quando se trata de monumentos construídos anos atrás e que precisam de um olhar mais especial.

No Sítio Histórico de Sobral, os visitantes não encontrarão mais a fiação aérea que cruzava o espaço. Todos os inúmeros fios das redes elétricas, telefônicas e dados-lógica (Internet) do local serão subterrâneos.

A intervenção faz parte do Projeto Novos Ares executado por meio de parceria entre o Ministério da Cultura, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Governo do Ceará e a Prefeitura de Sobral. A obra conta com um orçamento de cerca de R$ 12,5 milhões e deve ser concluída em 18 meses.

Conforme Juçara Peixoto da Silva, superintendente do Iphan no Ceará, por abranger uma área extensa, esta é considerada uma experiência nova e que envolve um processo de conscientização coletiva e de despoluição visual.

Benefícios
"Esses prédios poderão ser vistos em sua plenitude. Em uma fotografia, não será mais preciso usar no computador programas de retoques para apagar os fios. Estaremos garantindo uma visualização limpa do patrimônio histórico e também uma maior visibilidade".

A superintendente do Iphan/CE destaca que essas ações são fundamentais para que a população tenha uma vida melhor. "Os fios vão se agregando às nossas vidas como se fosse algo natural. Ainda espero viver em um mundo sem fios expostos", relata Juçara.

Apesar de Sobral ter sido a primeira cidade interiorana do Brasil a ganhar o projeto Novos Ares, outros locais, que possuem Sítio Histórico, também contam com fiação subterrânea, como Ouro Preto, Recife antigo e áreas do Centro do Rio de Janeiro.

No Ceará, segundo Juçara Peixoto, dentre os quatro municípios que possuem Sítio Histórico, além de Sobral, apenas Icó já apresentou proposta para receber o projeto. Aracati apenas demonstrou uma intenção devido ao incentivo ao turismo. Já em Viçosa, nada foi pleiteado.

Com relação a Fortaleza, que não conta com Sítio Histórico, a superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Ceará esclarece que há a possibilidade de auxílio técnico e de acompanhamento do órgão caso a Prefeitura se pronuncie sobre a causa, não sendo possível, no entanto, a garantia de recursos.

A opinião do especialista
É preciso educação
Considerando-se o meio ambiente a partir de seus elementos e correlações, devemos lembrar da poluição visual ocasionada pela fiação aérea. É só passar por alguns espaços de Fortaleza onde a fiação está embutida e sentir a diferença. Além das implicações na manutenção de árvores, principalmente as de grande porte plantadas em calçadas estreitas, que são equivocadamente desconsideradas como elementos prioritários em nossa cidade e acabam sendo podadas indiscriminadamente e tendo seu ciclo de vida encurtado.

A fiação subterrânea é uma alternativa possível, embora conte com uma falsa argumentação de um maior custo de implantação, sempre por uma visão estreita e imediatista. E quanto ao custo de manutenção com podas, limpeza e substituição de fios? E os custos não computados da desvalorização da paisagem? Outra alternativa é a compatibilização das árvores com as alturas de fiação e larguras de calçadas.

Para alterar este quadro de indigência no qual se encontram nossas árvores, principalmente as da arborização viária se faz necessário, além de ações do poder público e de instituições responsáveis, uma forte ação educativa nas mais diferentes escalas de abrangência para sensibilização quanto à importância das árvores e suas relações com os demais elementos urbanos.

Fernanda Rocha
Arquiteta e urbanista

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