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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Multidões e políticas públicas

O psicólogo Cássio Braz analisa o que há de viável na realização de megaeventos em Fortaleza e quais seus possíveis êxitos e fracassos

Cássio Braz*

Os denominados megaeventos parecem compor cada vez mais nossa paisagem cotidiana. Não é a toa que milhares de pessoas se reúnem para desfrutar coletivamente de determinados acontecimentos. Esporte, música, pregações religiosas e espetáculos em geral guardam em comum a atratividade coletiva. Essa não é uma característica recente, mas parece estar se tornando mais emblemática e traz à tona uma discussão sobre as implicações desses acontecimentos ante as relações sociais que originalmente lhe conformam. O processo de urbanização tem propiciado que eventos anteriormente limitados em número de assistentes se expandam e se tornem potenciais momentos de reuniões multitudinais.

Talvez seja essa atração coletiva que levou a uma reflexão empreendida pela Psicologia Social acerca do que implica essa conjunção de diferentes pessoas atuando como público – algumas vezes como massa – ainda que de forma muito pontual. Essa tendência à compreensão do fenômeno coletivo esteve no pensamento de Gustave Le Bon (1895) com seu Psicologia das Multidões e posteriormente em Freud (1921) em Psicologia das Massas e Análise do Eu. Não é nosso intuito fazer um recorrido teórico, mas analisar à luz dos fatos mais cotidianos da nossa cidade o que há de viável na realização de eventos coletivos que se aproximam da proposta dos megaeventos e quais as repercussões para seus possíveis êxitos e fracassos.

Estamos na iminência da realização de uma Copa do Mundo e temos observado a insistência do Estado em viabilizar eventos com grande participação coletiva, a tomar como exemplo o Réveillon da Praia de Iracema. O que podemos aprender das experiências passadas com outros eventos que já foram tradicionais e que acabaram por desaparecer no cenário fortalezense? Certamente o primeiro deles e mais evidente é o passar do tempo e as mudanças nas relações humanas. A cidade cresceu e tornou heterogênea a forma de integração dos diferentes grupos sociais. Os estilos de vida são referências concretas de consumo de modelos de comportamento que, por sua variedade, acabam por confrontar formas de produção subjetiva cada vez mais complexas.

Podemos professar a mesma religião, mas antagonizamos preferências musicais. Emocionamos-nos com um mesmo espetáculo cênico, mas temos rivalidades desportivas. Tudo isso gera momentos de aproximação e confronto que não fáceis de administrar na realização de um grande evento. Não fora isso per si uma dificuldade, ainda temos um problema sério de tolerância e de compreensão dos limites entre os espaços públicos e privados. Esses são problemas que derivam da nossa condição humana, mas há problemas que estão relacionados a aspectos mais concretos como a existência de espaços específicos para realização dos mesmos. Vivemos numa cidade cujo Plano Diretor parece frequentemente subestimado e onde o intento de estabelecer limites para convivência coletiva agride em cheio o narcisismo de alguns grupos mais fortes ou poderosos. Isso implica que o uso do espaço urbano acaba sendo regido por interesses muito específicos e por minorias que quase sempre controlam o capital.

Dentro desse cenário limitante e recorrendo a complexificação das relações sociais, não podemos deixar de considerar que a urbanização, vinculada ao processo de industrialização, trouxe consigo uma série de novas características onde é necessário conviver com aquele que nos é o desconhecido. Essa convivência, entretanto, pode e deve ser mediada por políticas públicas. Curiosamente tendemos a perceber que as multidões são responsáveis pelo aumento da violência, o que pode ser um grande equívoco. Infelizmente, no entanto, isso parece mobilizar as questões dos eventos em Fortaleza. O caso específico da realização de grandes eventos em nossa cidade está muito mais associado à definição de políticas públicas e ao respeito dos interesses coletivos. Enquanto tais pontos não forem colocados como prioritários, sempre acharemos que o povo de Fortaleza não está pronto para tais acontecimentos.

* CÁSSIO BRAZ é doutor em Psicologia Social, professor da Universidade Federal do Ceará e coordenador do Núcleo de Psicologia do Trabalho

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