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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Casa de Cultura Alemã completa 50 anos em Fortaleza


Em conversa com a DW Brasil, o primeiro coordenador da instituição, professor Helmut Feldmann, falou sobre sua ligação com o Brasil e sobre os primeiros anos do instituto que levou a cultura alemã para o Nordeste.

Há 50 anos, em outubro de 1962, era fundada em Fortaleza a Casa de Cultura Alemã da Universidade Federal do Ceará (UFC). Sua existência se deve aos esforços do reitor Antônio Martins Filho em instalar no Ceará sua primeira universidade, sob o lema "O Universal pelo Regional". Juntamente com a Casa de Cultura Alemã, foi criado em Fortaleza o primeiro leitorado do DAAD – Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico – para o ensino da língua alemã no Brasil. O primeiro leitor foi o professor Helmut Feldmann, que assumiu há 50 anos a coordenação da Casa de Cultura Alemã da UFC, que hoje conta com mais de 550 alunos regulares.
Após voltar para a Alemanha, Feldmann trabalhou ativamente para consolidar a parceria entre universidades alemãs e brasileiras. Por esse trabalho, ele recebeu diversas condecorações, entre elas, a Cruz do Mérito (Bundesverdienstkreuz) do governo alemão e o grau de Comendador da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, em 2000, do governo brasileiro. Em conversa com a DW Brasil, o professor Helmut Feldmann relatou sua ligação com o Brasil e sobre os primeiros anos da Casa de Cultura Alemã.
A solenidade de comemoração dos 50 anos da Casa de Cultura Alemã acontece neste sábado (06/10), no Theatro José de Alencar em Fortaleza, com a presença do embaixador da Alemanha no Brasil, Wilfried Grolig, do professor Helmut Feldmann e outras autoridades.
DW Brasil: Sr. Feldmann, o senhor foi para o Brasil em 1962. O que o levou ao país?
Helmut Feldmann: Eu já havia conhecido os países românicos da Europa durante o curso da universidade. E o único país que restava conhecer era Portugal. Mas eu não recebi uma bolsa de estudos para Portugal. Em vez disso, recebi a oferta do então reitor Martins Filho, para trabalhar em Fortaleza como leitor para língua alemã, através do DAAD.
E foi o reitor Martins Filho quem nos disponibilizou o prédio da Casa de Cultura. O leitor era pago pelo DAAD, mas havia – e isso é interessante para a história da Casa de Cultura Alemã em Fortaleza – um professor alemão [Hermann Görgen] que viveu em Minas Gerais, um jurista e economista, que passou o período da Segunda Guerra no Brasil, sem ter voltado à Alemanha. E ele era amigo do reitor Martins Filho.
Mais tarde, por pedido do reitor, esse professor se engajou em Bonn pela criação de um leitorado do DAAD em Fortaleza. O professor Görgen também fundou em Bonn a Sociedade Brasil-Alemanha, que nasceu juntamente com o leitorado do DAAD no Ceará.
O mais interessante de tudo isso é que Fortaleza, naquela época, não era uma cidade importante, havia somente casas de um pavimento, muitos flagelados da seca no sertão e um pouco de indústria agrícola, e a universidade havia acabado de ser criada.
E como foi possível fundar um instituto de cultura alemã em Fortaleza? De onde vieram os primeiros professores de alemão?
Isso só foi possível através da universidade. Antes não havia estudantes de letras germânicas. O que alunos que haviam estudado alemão pretendiam fazer em Fortaleza após seus estudos? Não havia trabalho, não havia escolas onde se pudesse aprender alemão. Havia somente no Sul e Sudeste. Ali se podia trabalhar como professor de alemão numa escola. Então, como o reitor Martins Filho conseguiu organizar tais professores? Apesar de tudo, tratava-se do primeiro leitorado do DAAD no Brasil.
Havia no sertão uma escola monástica dirigida por padres alemães. Os monges e professores eram alemães e todos os alunos tiveram de aprender a língua. Por falta de alunos e recursos, essa escola teve de ser fechada.
Então os alunos desse mosteiro, que haviam aprendido a língua, já que as aulas eram em alemão, vieram justamente no momento em que o reitor Martins Filho pretendia criar o leitorado. E, assim, eu tive professores de alemão à disposição.
Nessa escola de padres alemães, eles haviam aprendido latim, história mundial. Eram pessoas muito bem preparadas. Essa foi uma grande vantagem que tivemos para justificar a criação do leitorado em Fortaleza. E foi um grande sucesso.
A Casa de Cultura nasceu juntamente com o leitorado?
O reitor Martins Filho era um homem muito inteligente. Ele sabia que somente com a universidade e um curso de letras germânicas não poderia motivar alunos a estudarem alemão. Foi então que ele teve a ideia de fundar a Casa de Cultura Alemã, aberta não somente para estudantes de letras germânicas, mas para todos os estudantes e cidadãos da cidade que se interessassem pela Alemanha. Foi assim que me tornei o primeiro coordenador dessa Casa de Cultura.
Eu fui como leitor do DAAD e fiz pesquisas para meu doutorado. E foi o professor Görgen quem me entrevistou, em Bonn. Havia outros candidatos. Eu fui então aceito.
É de se imaginar que havia poucos alunos no começo da Casa de Cultura. Como foram organizadas as aulas?
Não foi o caso. É preciso entender que na época Fortaleza era bastante isolada do resto do mundo. E, de repente, o mundo chegou a Fortaleza.
Quanto à organização das aulas, nós nos ativemos ao livro didático. E os antigos seminaristas ajudaram a organizar diversas atividades em que a Alemanha exercia algum papel. A cultura alemã se tornou então bastante presente. E antes não havia presença alguma, já que o mosteiro de onde vieram os professores estava no meio do sertão, sem nenhuma influência sobre Fortaleza.
Quanto tempo o senhor viveu em Fortaleza?
Passei lá somente um ano e meio. Na época, o presidente ainda era João Goulart. Quando cheguei ao Brasil, o clima era relativamente liberal. Mas quando eu parti, a situação era bem diferente. Havia muito controle policial e era preciso tomar cuidado com o que se dizia e propagava. Foi durante o período em que morei no Brasil que essa mudança aconteceu: da democracia à ditadura.
Como a população local aceitou os eventos promovidos pela Casa de Cultura Alemã, também lembrando-se que não fazia muito tempo que a Segunda Guerra Mundial havia acabado?
A guerra era algo muito longe. Seus resquícios foram pouco percebidos em Fortaleza. Eu não tive nenhum problema na cidade. Por um lado, tenho muita experiência em me adaptar a culturas estrangeiras. Eu já havia estudado na Itália, na Espanha, na França e em Portugal. Eu já tinha muita vivência com línguas e culturas estrangeiras.
Havia na cidade um grupo muito pequeno, mas muito interessante de intelectuais com quem travei amizade. Tratava-se principalmente de escritores, que se tornaram então professores universitários. Foi uma época maravilhosa. Eu me senti muito bem no Ceará.
Existia algo semelhante à Casa de Cultura Alemã no Nordeste?
A fundação da Casa de Cultura em Fortaleza foi algo muito progressista. Para mim, o reitor Martins Filho foi um precursor dos grandes governadores do Ceará nas décadas de 1980/90, Tasso Jereissati e Ciro Gomes, que transformaram o estado no mais dinâmico do país. O Ceará se transformou num exemplo muito admirado. Dessa forma, foi uma época dourada aquela que passei em Fortaleza durante a administração do reitor Martins Filho.
O senhor não achou o clima muito quente?
Lá não era tão quente quanto sempre diziam. Naquela época – não sei se isso está ligado ao desenvolvimento industrial – a temperatura era muito agradável. Não havia nem prédios altos nem muitos carros, ou seja, não havia poluição. Usava-se um terno de linho branco de manhã e no fim do dia esse terno ainda continuava branco. Fortaleza era muito limpa e uma cidade linda.
Mas havia muito refugiados da seca. Por ocasião de uma estiagem no sertão, eu vi levas de flagelados na cidade. Eles acabaram se espalhando pela periferia e Fortaleza se tornou cada vez maior.
O que o senhor fez depois de voltar para a Alemanha?
Eu terminei meu doutorado em Colônia. Escrevi minha dissertação sobre Graciliano Ramos e fui trabalhar como assistente do professor Müller-Bochat na recém-fundada Universidade do Vale do Ruhr, em Bochum. Eu ensinava literatura francesa, espanhola, portuguesa.
Ao voltar para Colônia, passei a trabalhar no Instituto Português-Brasileiro como professor. O instituto já é bastante antigo. Alguns dizem que foi fundado em 1934, outros falam em 1932. Primeiramente, como Instituto Português, mais tarde houve a mudança de nome.
E como foi mantido o contato com o Brasil?
Sempre houve intercâmbio de bolsistas entre as universidades em Colônia e Fortaleza. Houve inicialmente uma parceria, a princípio, em nível de faculdades, entre a Faculdade de Filosofia da Universidade de Colônia e a Faculdade de Letras da Universidade Federal do Ceará. Mais tarde, essa cooperação se estendeu a outras faculdades. E acredito que essa cooperação esteve sempre ligada a um esforço da minha pessoa.
Entrevista: Carlos Albuquerque
Revisão: Francis França



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