Endereço: Av. Carapinima, 2425 - Benfica |Cep: 60015-290 - Fortaleza - CE |Tel: (85) 3283.5454 / 88973480
Email: iabce@iabce.org.br| Site oficial do IAB-CE | Página Facebook | Perfil Facebook | Twitter

terça-feira, 31 de março de 2015

"No Brasil, temos a tradição de culto da glória da arquitetura moderna"

O Museu de Arte Moderna de Nova York (Moma) vai abrigar a partir de 29 de março próximo uma exposição sobre a arquitetura latino-americana de 1955 a 1980, tendo como fio condutor o tema do desenvolvimento. A mostra se estrutura em dois núcleos sequenciais: Prelúdio, em que se revive, através de fotografias de época, desenhos e filmes, os anos de exaltação da arquitetura latina moderna; e, na grande galeria, os diferentes rumos do modernismo no continente. A seguir, apresentamos trechos de entrevistas com os curadores - Barry Bergdoll (curador-chefe e membro do Moma), Carlos Eduardo Comas (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Jorge Francisco Liernur (Universidade Torcuato di Tella, Buenos Aires) -, aos quais se juntou recentemente Patrício del Real, do Moma, responsável pela expografia.


A mostra América Latina em Construção: 1955-1980 estará em exibição no Moma de Nova York de 29 de março a 19 de julho de 2015. Idealizada por Barry Bergdoll em 2007, quando assumiu o cargo de diretor do Departamento de Arquitetura e Design da instituição (ocupado atualmente pelo suíço Martino Stierli), ela tem como mote historiográfico a marca de 60 anos transcorridos desde a última exposição que o museu realizou sobre a arquitetura moderna da América Latina (Arquitetura Latino‑Americana desde 1945, inaugurada no final de 1955 e organizada por Arthur Drexler e Henry-Russel Hitchcock) e procura, conforme testemunho de Bergdoll na entrevista a seguir, informar os norte-americanos sobre a potência e a diversidade de posições adotadas pelos arquitetos latino-americanos frente ao vertiginoso crescimento urbano das suas cidades.
A pedido de PROJETOdesign, Bergdoll relata um passeio imaginário pela mostra, para que os leitores possam conhecer a sua estrutura e destaques:
“Na sala Prelúdio, o tema é a evolução da arquitetura e do urbanismo no contexto do extraordinário crescimento urbano ocorrido na América Latina no período imediatamente anterior ao retratado pela exposição. Serão apresentados projetos icônicos da época, sobretudo do Brasil e do México, amplamente divulgados na imprensa europeia e norte-americana desde os anos 1930 até os 1960. Passaremos, então, à exposição propriamente dita, investigando os rumos da arquitetura quando entraram em cena as críticas contra o movimento moderno da região. Serão duas galerias laterais: uma vai exibir os projetos de campi universitários vistos como laboratórios para o planejamento das cidades modernas, como em Caracas e na Cidade do México; a outra trará o masterplan de Brasília. Por elas delimitado, o espaço central se organiza organicamente como um convite para que o visitante estabeleça suas próprias relações entre as arquiteturas da América Latina, cotejando, sempre que possível, documentos originais - desenhos, fotografias e filmes - que coletamos ao longo dos últimos quatro anos nos vários países. Alguns temas principais perpassam a mostra, como a relação do espaço público com os interiores das edificações - caso dos projetos do Banco de Londres na Argentina [Clorindo Testa], do Masp e do extraordinário Sesc Pompeia, em São Paulo, ambos de Lina Bo Bardi - e as imigrações dos arquitetos latino-americanos [há, a esse respeito, um núcleo denominado Export], com o que damos um senão à história amplamente divulgada sobre a influência unilateral de Le Corbusier e Mies van der Rohe.
Embora a estrutura da entrevista fosse a mesma para os três curadores, as conversas individuais tomaram rumos distintos, corroborando a observação de Comas sobre a complementaridade dos seus olhares: o norte-americano, de Bergdoll, o luso-americano, dele próprio, e o hispano-americano, de Liernur. Assim, nem todas as perguntas foram respondidas pelos três.
O que significa para o Moma realizar esta exposição?
Barry Bergdoll Nossa dupla missão se relaciona tanto à arte contemporânea quanto ao debate sobre o modernismo, nas suas várias formas de expressão: fotografia, arquitetura, design, pintura e escultura. Em 2007, quando entrei para o Moma, percebi que a nossa coleção não representava bem a arquitetura latino-americana. Meu desejo, então, foi restabelecer uma conversa perdida da América Latina com o público norte-americano. Pensei que minha ignorância sobre a arquitetura moderna da região se devia ao fato de eu pertencer a uma cultura na qual a América Latina é pouco considerada. A exposição é uma oportunidade de corrigir tal fato.
O trabalho compartilhado entre três curadores de origens distintas procura evitar a supremacia do olhar norte-americano?
BB Uma das noções do desenvolvimentismo de meados do século 20 foi a de que os Estados Unidos eram uma espécie de centro de conhecimento para o resto do mundo. Estamos fazendo o reverso, ou seja, procurando conhecer a expertise da arquitetura da América Latina para nos educarmos, em primeiro lugar, e agregarmos outros pontos de vista.
Carlos Comas É difícil fugir da classificação de que, dos dois curadores adjuntos, um representa a vertente hispano-americana e o outro a luso-americana. Esse triunvirato, de cara, já questiona o mito da arquitetura latino-americana como algo único. Ela, na verdade, é formada por culturas não congruentes.
Jorge Liernur Em geral, poderíamos nos interessar pelo todo, não houve divisão do trabalho. Mas, obviamente, Barry não deixou de ter uma visão externa, Carlos predominantemente brasileira e eu hispano-americana.
Qual o período considerado nas pesquisas iniciais para a mostra? Como se delineou o recorte temporal de 1955 a 1980?
CC A exposição é o somatório das nossas viagens em busca de documentos relevantes. Inicialmente pensamos em trabalhar com meio século de história - dos anos 1930 aos 1980, aproximadamente -, mas isso foi se revelando demasiado exaustivo enquanto conteúdo expositivo. Mantivemos, então, os anos 1980 como limite, mas decidimos começar pelo gancho historiográfico de partirmos da primeira e última exposição que o Moma fez sobre a arquitetura da América Latina. Naquele momento é que começaram a se multiplicar as críticas contra a arquitetura brasileira, em particular, e se tornaram evidentes nos vários países as emergências das noções correlatas de desenvolvimento e subdesenvolvimento. São, assim, três ou quatro camadas sobrepostas nesse espaço de tempo: o conjunto de críticas euro-americanas à experiência brasileira e às demais latino-americanas na arquitetura; a passagem da arrancada do desenvolvimento à crise dos anos 1980; e, desde a década de 1950, o início de críticas internas que se acumularam no continente e culminaram com o pós-moderno dos anos 1970.
JL Se partíssemos de qualquer data até 1929 teríamos uma amostragem muito desequilibrada, porque, de 1930 a 1955, foi muito forte o peso da arquitetura brasileira. Por outro lado, nos demos conta de que o tema do desenvolvimento esteve presente em todos os países, de 1955 a 1980.
Em que aspecto o tema do desenvolvimento perpassa a escolha das obras da exposição?
CC A primeira ideia de Barry era partir de cidades, não de países, mas prevaleceu a visão panorâmica da América Latina. Desenvolvimento é sinônimo de urbanização e de industrialização do Brasil, mas, para mim, diz respeito a aspectos formais também. Por volta de 1955, as críticas evidenciavam a hegemonia da arquitetura moderna e assim, na ausência do inimigo da arquitetura colonial, como é que se desenvolveu a nossa linguagem?
JL Antes da Primeira Guerra Mundial, os modernismos tratavam de criar a arquitetura para um presente que se acreditava modernizado. Havia automóveis, máquinas e, então, precisavam de arquitetos modernos, embora ainda não por razões específicas. Mas o tema do desenvolvimento trouxe a condição de ver-se obrigado a reconhecer que o presente não era tão moderno como parecia e que se deveriam modificar estruturas para ser realmente moderno. Isso implicava planejar tendo em vista o futuro, uma visão que, por sua vez, foi liquidada no final dos anos 1970/80.
Para alguns, o desenvolvimento futuro poderia ser buscado no presente dos países desenvolvidos, como foi o caso da arquitetura de Mario Roberto Álvarez [Argentina, 1913-2011]. Para outros, devia-se procurar um caminho diferente, de transformações radicais, e, nesse sentido, a luz não vinha dos Estados Unidos, da Inglaterra ou da França, mas de Cuba e até mesmo da União Soviética. Havia quem pensasse até que o desenvolvimento era a fonte dos problemas, da aniquilação de identidades e tradições. A arquitetura de [Luis] Barragán [México, 1902-1988], assim, nega qualquer desenvolvimento.
A mostra de documentos originais é uma das marcas da exposição. Em que ela contribui para a apreciação dos temas em debate, tanto para o público leigo quanto para o especializado?
BB É o modo corrente de o Moma estruturar suas exposições. Trabalhar com a América Latina, então, foi um processo mais desafiador porque não há uma rede de arquivos de arquitetura abrigados em museus de arte, como existe na Europa, principalmente.
CC O documento tem uma atratividade física marcante, que me faz pensar na necessidade de considerarmos mais a fundo o aspecto construtivo da arquitetura. Foi impactante para mim descobrir o projeto executivo dos palácios de Brasília, ver as suas plantas de forma e de ferragem, tão magníficas e vitais para entender o que Niemeyer fez ali. A crítica de [Pier Luigi] Nervi, por exemplo, sobre Niemeyer é a de que ele adota formas arbitrárias, mas, apenas, elas não são totalmente regulares. O contato com o documento faz sentir de maneira física, e não apenas intelectual, que tivemos no Brasil um grande time de arquitetos e engenheiros trabalhando juntos.
JL Devido às características do material que vamos apresentar, acredito que a exposição seja também um estímulo à investigação e à discussão sobre a totalidade da arquitetura latino-americana. Esperamos desde o especialista, que conhece mais do que os curadores certos aspectos retratados na mostra, até o público ocasional. Ela não se estrutura pela lógica acadêmica, portanto, os objetos têm seu valor expositivo, expressam posições e, além disso, tratando-se de um museu de arte, devem ter qualidade estética.
Qual o mérito principal da exposição, considerado o conjunto de mostras sobre arquitetura latino-americana realizadas no Moma no século 20?
BB Nosso propósito é mostrar as intenções contidas nos projetos e não fazer um julgamento sobre seu êxito ou fracasso. Nós nos colocamos na condição de analisar com neutralidade a contribuição da arquitetura moderna e acho que vale a pena olhar para aqueles edifícios novamente. Não de forma polêmica, mas nos atendo aos seus propósitos primordiais. Isso, somado à informação do público norte-americano sobre algo que ele desconhece, é, na minha opinião, o mérito da exposição.
CC A exposição, em si, não tem narrativa histórica, é uma organização que mistura cronologia, situação e programa. Serve para informar o público norte‑americano e recordar, a cada um de nós, que o período em questão é rico em termos da produção cultural na arquitetura. É provocativa por causa das justaposições com que está estruturada, e um dos seus pontos-chave, por exemplo, é a sala de Brasília. Se, a partir dela, o visitante se depara com a FAU/USP, de [Vilanova] Artigas [1915-1985], é de se esperar que ele estabeleça relações de semelhanças e diferenças e se pergunte sobre os tipos de afinidades, além de cronológicas e espaciais, que essas obras guardam entre si. Esperamos que o nosso espectador veja a beleza do Banco de Londres, em Buenos Aires, mas que se dê conta também de que a proposta de Carlos Nelson [Ferreira dos Santos, 1943-1989] para [a urbanização da favela de] Brás de Pina [no Rio de Janeiro] é mais ou menos contemporânea. Estimulamos comparações: sugestão e provocação fazem parte da nossa missão.
JL Creio que a exposição intervém diretamente na instituição contemporânea. Em quatro níveis: o da importância do Estado, ou seja, das relações, que importam para a arquitetura, entre privado, sociedade e público; o das variações sobre o tema da moradia, que me parece ainda não resolvido mundialmente; o da tensão ética que origina essas obras, o que considero presente também nas discussões atuais; e, ligada a isso, a importância da materialidade da arquitetura e dos seus processos construtivos. Não é uma construção qualquer, realizada por empresas externas à produção arquitetônica. A cerâmica de [Eladio] Dieste [Uruguai, 1917-2000] é organizada por Dieste, o concreto de Artigas pertence às suas preocupações, enfim, não são companhias construtoras que vão executar criações virtuais de arquitetos. É uma noção antiga, sem dúvida alguma, essa da concepção integrada ao material, mas que me parece muito forte na exposição. Além disso, acredito que o propósito da mostra seja abrir planos distintos de discussões. É importante que se perceba internacionalmente que a historiografia da arquitetura do século 20 deixou grandes vazios no que se refere à latino-americana. O que se fez nas diversas publicações foi, nas melhores hipóteses, agregar capítulos idiossincráticos, separando‑se os grandes temas da arquitetura moderna das seções dedicadas à produção da América Latina. Por que ela não tomou parte daqueles estudos? Refletir sobre isso me parece o grande potencial da exposição.
CC Não podemos nos esquecer de que dos anos 1980 em diante, no Brasil, a nova geração de arquitetos foi empurrada para o meio acadêmico por causa da crise. Tivemos assim, e eu me incluo nisso, que alimentar um campo de conhecimento a respeito da própria história da arquitetura moderna no Brasil, algo em escala sem sucedâneo nos outros países. Mas do lado de lá ainda predomina, mesmo onde deveria haver maior informação, o preconceito e o desconhecimento. É um pano de fundo muito importante para essa exposição. Nós, no Brasil, temos a tradição de culto da glória da arquitetura moderna, mas esse estado de espírito inexiste lá fora.
Quais as similaridades e diferenças entre as vertentes hispano-americanas e luso‑americanas presentes na mostra?
CC Fica claro na exposição que o Brasil teve oportunidades, em termos de quantidade e qualidade, praticamente únicas. Isso em um período muito longo, de 50 anos. É uma produção que, mesmo quando há divergências, tem dose grande de continuidade, uma organicidade própria que eu não encontro nos outros países. Passamos da definição de um sistema arquitetônico que buscou na unidade a sua diversidade equilibrada para um período de exaltação - tanto na afirmação quanto na negação -, até que caímos em crise. E, com ela, voltamos a certo comedimento da arquitetura. Nesse processo persiste um diálogo interno, entre os arquitetos e as obras, que para mim é mais difícil de identificar nos outros países. Temos, por exemplo, a preocupação contínua com a estrutura. Nesse sentido, a seleção brasileira é relativamente clássica, ou seja, constituída por obras primárias, que anunciam o estabelecimento de uma sequência de problemas arquitetônicos. Vai de Brasília à UnB e ao Hospital Sarah; do lado monumental da cidade ao prosaico; tem arte, serviços, a superquadra como questão a ser rediscutida; o parque do Flamengo, que é uma operação impressionante de paisagismo e infraestrutura, mas tem também o MAM; em termos de discussão do objeto metropolitano tem o Jockey Club do Rio de Janeiro e o Copan; no esporte e na cultura, tem o [Clube] Paulistano e o Masp; tem Osaka; e também o Cajueiro Seco, de [Acácio Gil] Borsoi [1924], ou seja, uma linha que em meados dos anos 1960 começou a rediscutir o desenvolvimentismo; e, no final, o Lelé [João Filgueiras Lima, 1931-2014] com a estação de transbordo de Salvador, e o Sesc Pompeia. O que emerge disso tem peso.

Fonte:http://arcoweb.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário