Aos meus alunos de ontem, de hoje e de amanhã
Eita,
Fortaleza, qual será teu próximo disfarce? Bem entendido, a aparência
que os que produzem e consomem arquitetura vão eleger para te vestir na
próxima saison? Aguardas ansiosa a decisão ou, como sempre, não estás
nem aí para o lance? Como toda mulher, a cidade tem seus caprichos e
ambições. Quais são os teus? Como pretendes te apresentar? Ou, por
creres cegamente no taco dos teus modistas, confias a eles placidamente a
definição? Desenho, desígnio, desejo, ensinou-nos o centenário mestre
Vilanova Artigas. De sedas e andrajos vestida, que mensagem tua silhueta
nos transmite? Quem pergunta, e muito como eu, quer saber. Por trás de
qual máscara mais uma vez te esconderás? Por que nunca te revelas? Ah, e
esse teu calado como resposta...
Quando o dinheiro do
algodão começou a entrar grosso, em meados do Dezenove, despiste-te dos
retalhos da chita colonial que recobriam tuas muitas choupanas e teus
poucos sobrados para, pouco a pouco, incorporares as folies de Paris. Na
passagem para o século seguinte, momento de tua Belle Époque, querias
ser francesa a todo custo, o ecletismo comendo solto nos prédios da
Praça do Ferreira e do Jacarecanga, o babaquara Accioly inaugurando o
Theatro José de Alencar, a Garapeira do Bem-Bem transmutando-se em
Garapiére Bien-Bien após uma viagem do seu proprietário à Ville-Lumière.
Tempos bons aqueles em que eras singela, asseada e de ruas retas e
adornadas por edifícios mimosos. Aí, meu bem, babau: 1930, indústria e
favela.
Passaste décadas com esse modelito eclético no
corpo, aqui e ali variando um vestidinho estilo Perret, um conjunto de
saia e blusa Mission Style, um macaquinho proto-moderno. Quando os
costureiros modernistas apareceram no pedaço, torceste um pouco o nariz
para as suas criações: “Como minhas curvas irão realçar nessa moda
“caixote”? Foste toda aplausos, entretanto, quando os alunos deles,
assumidamente pós-modernos, resolveram te trajar à Miami, num Art Déco
revisitado pela via da cor e do exagero. Turistificada, teu negócio
agora era fazer bela figura nos cenários internacionais com tuas
fachadas coloridas da Aldeota e do Meireles. Curtias a febre da lambada e
da segunda-feira mais quente do mundo. Será que riram de ti pelas
costas, Loura?
Vejo-te neste instante nua e irritada
defronte a um armário lotado de trajes velhos, escolhendo roupa para
sair por aí. Sobre o leito (a mesa de trabalho de algum arquiteto), uma
revista com fotos de vestes mais que ousadas. Sim, o referencial
doravante é outro. Teus sinais me dizem que botaste na tua teimosa
cabeça chata a ideia de dar uma de Dubai de qualquer jeito. Mesmo sem
saber direito o que queres ser, mais uma vez achas que tua saída é pelo
caminho do arremedo. E tome largas vidraças caras, construções simulando
velas no mar, torções paramétricas, volumetrias espetaculares e outras
mumunhas mais. “Se fui pobre, não me lembro”, dizes no carrão com o olho
pregado no i-phone. E lembrar que vieste do interior, simples e
mirradinha, mas de essência tão rica...
Imitação da vida,
semblante tomado de empréstimo, será esta a tua sina arquitetônica?
Terás algum dia coragem de usar algo, uma peça de vestuário construído,
mínima que seja, que te expresse telúrica e contemporânea? Parafraseando
a grande Cecília, em que espelho devo procurar a tua face? “Como
modernizar-se e retornar às fontes?”, indagaria de ti um curioso Paul
Ricouer, se presenciasse as tuas doidices. Claro, nesse meio não há
identidade ou tradição fixas, pois ambas são permanentemente
reconstruídas conforme os interesses do presente. Porém, fica sempre um
pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas: austeridade, economia,
despojamento, o risco exato e distinto. Ou será que morres de vergonha
desse tesouro que é só teu?
Fonte : O Povo /coluna Romeu Duarte
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