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quinta-feira, 23 de abril de 2015

Arquitetura e fantasia

Aos meus alunos de ontem, de hoje e de amanhã

Eita, Fortaleza, qual será teu próximo disfarce? Bem entendido, a aparência que os que produzem e consomem arquitetura vão eleger para te vestir na próxima saison? Aguardas ansiosa a decisão ou, como sempre, não estás nem aí para o lance? Como toda mulher, a cidade tem seus caprichos e ambições. Quais são os teus? Como pretendes te apresentar? Ou, por creres cegamente no taco dos teus modistas, confias a eles placidamente a definição? Desenho, desígnio, desejo, ensinou-nos o centenário mestre Vilanova Artigas. De sedas e andrajos vestida, que mensagem tua silhueta nos transmite? Quem pergunta, e muito como eu, quer saber. Por trás de qual máscara mais uma vez te esconderás? Por que nunca te revelas? Ah, e esse teu calado como resposta...

Quando o dinheiro do algodão começou a entrar grosso, em meados do Dezenove, despiste-te dos retalhos da chita colonial que recobriam tuas muitas choupanas e teus poucos sobrados para, pouco a pouco, incorporares as folies de Paris. Na passagem para o século seguinte, momento de tua Belle Époque, querias ser francesa a todo custo, o ecletismo comendo solto nos prédios da Praça do Ferreira e do Jacarecanga, o babaquara Accioly inaugurando o Theatro José de Alencar, a Garapeira do Bem-Bem transmutando-se em Garapiére Bien-Bien após uma viagem do seu proprietário à Ville-Lumière. Tempos bons aqueles em que eras singela, asseada e de ruas retas e adornadas por edifícios mimosos. Aí, meu bem, babau: 1930, indústria e favela.

Passaste décadas com esse modelito eclético no corpo, aqui e ali variando um vestidinho estilo Perret, um conjunto de saia e blusa Mission Style, um macaquinho proto-moderno. Quando os costureiros modernistas apareceram no pedaço, torceste um pouco o nariz para as suas criações: “Como minhas curvas irão realçar nessa moda “caixote”? Foste toda aplausos, entretanto, quando os alunos deles, assumidamente pós-modernos, resolveram te trajar à Miami, num Art Déco revisitado pela via da cor e do exagero. Turistificada, teu negócio agora era fazer bela figura nos cenários internacionais com tuas fachadas coloridas da Aldeota e do Meireles. Curtias a febre da lambada e da segunda-feira mais quente do mundo. Será que riram de ti pelas costas, Loura?

Vejo-te neste instante nua e irritada defronte a um armário lotado de trajes velhos, escolhendo roupa para sair por aí. Sobre o leito (a mesa de trabalho de algum arquiteto), uma revista com fotos de vestes mais que ousadas. Sim, o referencial doravante é outro. Teus sinais me dizem que botaste na tua teimosa cabeça chata a ideia de dar uma de Dubai de qualquer jeito. Mesmo sem saber direito o que queres ser, mais uma vez achas que tua saída é pelo caminho do arremedo. E tome largas vidraças caras, construções simulando velas no mar, torções paramétricas, volumetrias espetaculares e outras mumunhas mais. “Se fui pobre, não me lembro”, dizes no carrão com o olho pregado no i-phone. E lembrar que vieste do interior, simples e mirradinha, mas de essência tão rica...

Imitação da vida, semblante tomado de empréstimo, será esta a tua sina arquitetônica? Terás algum dia coragem de usar algo, uma peça de vestuário construído, mínima que seja, que te expresse telúrica e contemporânea? Parafraseando a grande Cecília, em que espelho devo procurar a tua face? “Como modernizar-se e retornar às fontes?”, indagaria de ti um curioso Paul Ricouer, se presenciasse as tuas doidices. Claro, nesse meio não há identidade ou tradição fixas, pois ambas são permanentemente reconstruídas conforme os interesses do presente. Porém, fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas: austeridade, economia, despojamento, o risco exato e distinto. Ou será que morres de vergonha desse tesouro que é só teu?

Fonte : O Povo /coluna Romeu Duarte

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