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terça-feira, 9 de junho de 2015

O mendigo e o doutor

Quem foi menino na Fortaleza dos anos de 1960 certamente topou com uma figura mundana insólita e memorável, habitante das praças e das ruas. Refiro-me ao Feijão-sem-banha, mendigo de truz, imundo como o chão que pisava e sempre com a língua armada com os mais afiados impropérios. Passava o dia juntando papéis que encontrava nas vias, arrumando-os num volumoso embrulho plástico que trazia às costas. A quem lhe perguntava por que fazia aquilo, respondia que aquela papelada estava cheia de acusações falsas contra ele e que, no Dia do Juízo Final, mostraria o material para O Gente Fina Lá de Cima e provaria sua inocência. Por fim, dava uma bela gaitada, dizia um sonoro palavrão e saía para coletar mais bregueços. Pois é, invenção de louco.

É exatamente assim como hoje vejo a mim e aos meus colegas de academia, um bando de aflitos Feijões-sem-banha em sua diária faina insana de catar documentos para comprovar sua existência à toda-poderosa deusa Burocracia. Outrora lugar onde o saber era construído tendo como fundamento a vida real, a universidade pública brasileira mais e mais se transforma numa finalidade em si mesma, enredada em suas laudatórias práticas burocráticas, às voltas com assuntos que só a si dizem respeito e absolutamente divorciada da realidade. Que o digam as infindáveis reuniões dos conselhos universitários, centros, institutos, faculdades e departamentos, nas quais se lustra e louva uma meritocracia oca, útil tão somente para as tão ansiadas progressões funcionais.

Como dizia Max Weber, “a burocracia é o único modo de organizar eficientemente um grande número de pessoas e, assim, expande-se inevitavelmente com o crescimento econômico e político”. Porém, o tempo passa, o tempo voa e o modo de ver as coisas se altera numa boa: essa estrutura administrativa feita de regras e procedimentos preestabelecidos é hoje vista como algo ineficiente, lento e omisso em relação às necessidades de cada um, servindo a um único propósito que é a sua perpetuação. Nos meios acadêmicos ela contamina os docentes, ocupados com as suas pontuações, os alunos, tensos com seus índices de rendimento, e os funcionários, cuidando de suas avaliações. Ah, Mestre César Lattes, o que fizeram com teu sobrenome...

Essa extrema devoção ao papelório, esse verdadeiro êxtase que se experimenta ao preencher inúmeros formulários intermináveis têm operado uma perigosa inversão de valores nos campos do ensino superior. Atualmente, dar aula é castigo que se reserva ao professor preocupado com a formação profissional discente. A pesquisa, realizada muitas vezes sem controle social e objetivos definidos, hipertrofiou-se. Nessa batida, acaba não sobrando tempo nem espaço para a extensão. Absurdos de toda ordem acontecem: cursos são avaliados mediante critérios completamente distintos de sua essência, como se dá com os de Arquitetura e Urbanismo, área tida como ciência social aplicada(?). Perguntinha vã: aonde levará esse samba do doutor crioulo doido?


Fonte: OPovo | Coluna Romeu Duarte

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