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segunda-feira, 13 de julho de 2015

E assim se passaram 30 anos

Aos meus colegas de turma

Ontem, remexendo em velhos papéis dentro de gavetas esquecidas, tomei um susto daqueles: precisamente há 30 anos, numa cerimônia noturna realizada no Ginásio Paulo Sarasate, formava-me arquiteto. O documento lacônico que encontrei em meio a tantos outros apenas informava a solenidade, à qual compareci, com minha família e meus colegas, embrulhado em uma beca negra alugada à prestação e amarrada com uma fita de cetim azul. Não tenho as fotos do evento, mas guardei as cenas na memória. Para estar ali, percorri um árduo caminho: primeiras letras no Grupo Escolar Visconde do Rio Branco, primário, ginásio e científico no Colégio Cearense, entrada e saída da engenharia, os coqueiros-anões do Pici balançando suas palmas em adeuses.

O tempo passado na escola de arquitetura da UFC fora bem empregado. Costumo dizer que, mais do que me abrir a cabeça para a possibilidade de concretizar amplos espaços, a arte de construir ensejou-me uma educação para a vida. Recém-ingresso na casa, viciei-me no patrimônio e desenvolvi uma relação de amor e ódio com o Modernismo. Le Corbusier, Mies e Gropius, heróis e vilões, espreitando das estantes repletas da biblioteca. Entre Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, preferi Affonso Eduardo Reidy, craque em edifício e cidade. A explosão do falso pós-moderno, caco de conceito para todo lado. A urbe como uma federação de bairros, a luta cotidiana por um lugar no ambiente urbano, adeus Carta de Atenas. O canudo na mão era a prova do que houvera.

Uma vez formado, a briga pela sobrevivência, como ainda hoje, numa comunidade desconhecedora dos nossos atributos profissionais. Cansado de frases tais como “cara, você faz isso assobiando” e “artista não trabalha, se diverte”, bem como de incontáveis calotes, abracei a carreira de professor universitário, ofício este que praticamente nos impede de exercer a profissão. Uma sopa de letras robusteceu-me teórica e praticamente: CAUUFC, IAB, Abea, Iphan, FAUUSP, CAU. Virei mestre e doutor na matéria. Nesta estrada, escrevi livros, plantei árvores-disciplinas e tive filhos-alunos. Muito papel riscado e pouca obra em pé. Phillip Johnson afirmava que para ser arquiteto era preciso tempo, item básico para construir-se experiente e maduro.
 
Do meu belvedere, espio a Loura, que me espia. Tanto equívoco, tanto absurdo, tanta oportunidade perdida, tanta coisa por fazer. Noventa por cento dessa paisagem é planejada e construída por leigos. Parafraseando o Chico, a parte que nos cabe neste latifúndio será sempre assim, mínima? Por que somos tão pouco utilizados? Como fazer nossa lida necessária, mais que isso, um direito social? Seremos eternamente construtores de monumentos, tão especiais quanto ínfimos em número, abdicando de uma relação mais profunda, intensa e profícua com a sociedade? Teremos algum dia coragem de renunciar aos nossos métodos e linguagens para nos aventurar em territórios outros? Perguntas sem fim. No pátio entre mangueiras, jogos de luz e sombra.

Romeu Duarte em coluna para o jornal O Povo

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