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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Nos subterrâneos da alma


A Fernando Siqueira

De quando em vez, nas encruzilhadas que a vida nos oferece, topamos com elementos simbólicos e extravagantes ou crenças construídas sobre algo ou alguém que exprimem, melhor do que ninguém, o que nos vai por dentro. Ah, Ceará de todos os mitos, verdadeiro Olimpo semi-árido, o que seria de ti se, algum dia, te visses despossuído de tuas fantasias e doidices, que tanto te expressam? Já pensaste se, de repente, deste por falta da Perna Cabeluda, da Loura do Banheiro do Shopping, do Ferroviário, da cidade encantada e da princesa metade mulher, metade serpente de Jericoacoara? E se acordares de manhãzinha sem a Iracema no seu eterno banho sobre a lagoa de Messejana? Em algum lugar, Seu Lunga e Mário Gomes, já mitologizados, riem da situação.

Há, entretanto, um item, nessa vasta mitologia, que passa quase despercebido, embora seja, para mim, fundamental para a compreensão da alma alencarina: o túnel. Perdido na noite dos tempos e presente em diversas culturas, essa obra de engenharia, entre lenda e realidade, quase sempre remete a uma provação que terá que ser enfrentada para se chegar, como happy-end, ao tão sonhado tesouro. Tem gente que jura de pé junto e dedinhos cruzados, pela fé da santa mãezinha, quanto à existência de galerias subterrâneas entre a Gruta de Ubajara e a Igreja Matriz de Viçosa. Entre o Sobrado do Barão do Crato e o Teatro da Ribeira, no Icó. E, pasmem, entre o Colégio Cearense e a Cidade da Criança, em Fortaleza. O que faz um sujeito buscar ser feliz por baixo da terra?

Sem querer dar uma de psicólogo social, quem teria toda a autoridade do mundo para responder essa pergunta seria os assaltantes do Banco Central, cuja proeza gatuna acaba de completar dez anos. Os números impressionam: um caminho enterrado de quase 80 m de extensão, um piso de concreto com 1 m de espessura atravessado, 165 milhões de reais furtados. Até hoje fico besta com a peripécia. Num domingo desses, indo ao Raimundo dos Queijos, deparei com uma pequena multidão risonha tirando foto defronte à casa que serviu de base à operação. “Se eu fosse você, pedia o tombamento do tatuzão que os caras fizeram. Já pensou que grande atração turística?”, provoca um amigo. Vai entender. Que mistério, que segredo uma ação dessas não encerra, caros?

Enquanto brilha a lua azul sobre o meu atarantado juízo, assisto na TV à desesperada fuga de refugiados pelo Eurotúnel. Já tendo escapado ao afogamento nas barcaças mediterrâneas e à vigilância dos policiais da imigração, arriscam a sorte no dorso de trens de carga e caminhões entre os 50 km que separam a França da Inglaterra. É a resposta da espoliada Mãe África a quem tanto a explorou. Desligo o eletrodoméstico e me lembro de uma piada antiga. Que me perdoem os seus muitos devotos, mas o chiste, além de impagável, é revelador: “Meus irmãos, o Padre Cícero foi sepultado aqui, mas, na verdade, ele está em Roma”. O papudinho pisca o olho e manda ver: “Lai vai, isso é um santo ou um peba?!”. A felicidade, quem não deseja essa botija?

Coluna do Arquiteto e Urbanista Romeu Duarte para o jornal O Povo em 10/08/2015.

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