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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Concursos ameaçados

O importante papel que os concursos públicos de arquitetura e urbanismo desempenham para a cidade.

Por Luiz Fernando Janot*

A recente divulgação do resultado do “Concurso Porto Olímpico”, que premiou quatro excelentes projetos para a construção da Vila da Mídia, da Vila dos Árbitros, do Centro de Convenções e de um Hotel na Região Portuária do Rio, destinados a abrigar temporariamente uma parte das instalações para a realização das Olimpíadas de 2016, merece uma reflexão sobre o importante papel que os concursos públicos de arquitetura e urbanismo desempenham para a cidade.  

A decisão da Prefeitura do Rio de Janeiro de promover uma série de concursos de projetos em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) constitui, sem dúvida, a maneira mais adequada de assegurar para a cidade a qualificação e valorização da sua arquitetura e dos seus espaços urbanos. Os concursos públicos de projeto, além de estabelecerem um debate profícuo em torno de questões urbanas e arquitetônicas, oferecem uma excepcional oportunidade para revelar jovens e talentosos arquitetos interessados em participar do processo de construção da cidade. 

Todavia, essa modalidade democrática de seleção de projetos para a construção de obras públicas encontra-se ameaçada pela conversão em lei da Medida Provisória que criou o “Regime Diferenciado de Contratações Públicas” (RDC), destinado a agilizar a contratação de obras e serviços relacionados com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Se logo após o Brasil ter sido escolhido para sediar a Copa do Mundo e o Rio para receber os Jogos Olímpicos, as autoridades públicas tivessem ouvidos os apelos para a realização de concursos públicos de projetos, os atropelos de última hora teriam sido evitados. Essa lei cria o sistema de “Contratação Integrada”, onde todos os serviços vinculados a uma determinada obra deverão ser contratados exclusivamente com uma única empresa, ou seja, se contrapondo ao princípio que recomenda desvincular os projetos da contratação das construções.  

Pela lei de licitações vigente, o Poder Público é obrigado a apresentar às empresas concorrentes o projeto básico e um orçamento estimativo da obra que pretende realizar. No regime de “contratação integrada” isso não é exigido. Compete à empresa interessada na licitação apresentar a sua proposta orçamentária utilizando, como referência, a descrição sumária da obra e outros pormenores que lhes foram apresentados previamente pela Administração Pública. Aos ser dispensada a exigibilidade do projeto básico no processo de licitação, a empresa vitoriosa ficará com a incumbência de elaborá-lo posteriormente com base na estimativa orçamentária que apresentou para concorrer. Ou seja, se dará para a raposa a chave do galinheiro.

É importante ressaltar que o grau de precisão orçamentária de um obra é diretamente proporcional ao nível de detalhamento do projeto e do rigoroso cumprimento dos padrões técnicos especificados. Portanto, a falta de projetos detalhados tende a gerar orçamentos imprecisos e comprometedores da qualidade da obra. Seria muita ingenuidade acreditar que as empresas contratadas irão absorver os eventuais prejuízos decorrentes dos equívocos cometidos na elaboração dos projetos ou dos próprios orçamentos. Não resta dúvida de que os ajustes futuros recairão sobre os projetos e a qualidade dos construção.

Se, de fato, o papel relevante dos projetos está sendo desconsiderado na lei, conviveremos em breve com uma perda irrecuperável para a cidade e para a arquitetura brasileira. Ao se transformar o projeto num mero objeto para manipulação orçamentária, haverá, inevitavelmente, um retrocesso na bem sucedida política de organização de concursos públicos de arquitetura e urbanismo no Brasil. Perde-se, desta forma, um modelo democrático e transparente de concorrência que não esconde da sociedade os pormenores da licitação nem os trabalhos que participaram da disputa. Numa época em que a União Européia adota os concursos de projetos como uma obrigatoriedade legal, é um absurdo restringir esse procedimento num momento em que o desenvolvimento econômico do Brasil adquire destaque internacional.

Portanto, diante do risco de se relegar ao segundo plano o importante legado arquitetônico e urbanístico que os grandes eventos esportivos deverão deixar para a cidade, espera-se que a Prefeitura do Rio, contrariando essa tendência, não poupe esforços para continuar utilizando os concursos públicos de arquitetura e urbanismo como a política de governo para a contratação de obras importantes na cidade. Com o passar do tempo, certamente esses dois grandes eventos esportivos acabarão esquecidos. No entanto, o seu legado permanecerá incorporado à cidade como memória viva de um momento relevante da sua história.

*Arquiteto Urbanista
Professor da FAU-UFRJ
lfjanot@superig.com.br

Texto publicado originalmente no site do IAB-RS

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