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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Apenas um rapaz latino americano



A Belchior
As árvores nem se mexem, os urubus lá em cima só espiando o passadio dos que vivem e sofrem aqui embaixo.Está tudo acertado. Já, já a condução vai chegar. Aí eu arribo daqui é voado. Diabo de quentura é essa, macho?! As árvores nem se mexem, os urubus lá em cima só espiando o passadio dos que vivem e sofrem aqui embaixo. Seca braba nojenta. Chão rachado, criação se virando como pode, o gado mirrado, esqueleto de rês no meio do mundo, calango escapando na sombra da pedra, o pinto do olho cego que morreu hoje de manhã. Está se acabando é tudo. E olhe que a propriedade é pequena, imagine se fosse aquela fazenda acolá, pense num prejuízo grande...
Meu juízo já está formado. Vou para Fortaleza nem que eu me lasque. O cão é quem fica aqui neste deserto. O açude seco, o riacho morto, a mata cinza e esturricada, é ver o fim do mundo, paisagem de dar dó. O cachorro, calado, cansado de caçar o preá que não tem mais. Seca braba nojenta. A trouxa arrumada, teréns ajuntados, não vejo a hora de ir embora. Ruim é deixar a mulher e os meninos aqui. Mas não tem jeito, pior será ir de ruma para lá sem ter onde ficar. O dinheiro que for entrando eu mando uma parte para cá. Aí as coisas entram no prumo, espero. Já estou até sentindo saudade deles. Mas o rumo é o da venta, na reta dessa rodagem que treme de tanto sol.
Também, o que fazer aqui neste lugar? Interior do distrito de um município que era distrito de outro município, arre égua, sina de corno. Tanto fizeram que transformaram as terras da antiga fazenda em território municipal. Aí as duas famílias espertas, na verdade uma só e eternamente ao lado do poder de plantão, passam o tempo brincando de gato e rato no teatro da política. Em época de eleição é que é bom: camisa de pano com dinheiro dentro, sapato, dentadura, cesta básica, festa, comilança e cachaça naquele preço. Mas no fim só dá para a radiola delas duas. Não tem emprego, indústria não se vê, a agricultura é uma piada, hospital e escola na chave, salário da prefeitura atrasado, o crack tomando de conta, a fome comendo de esmola, uma fuleiragem só. Resta ao povo, além do forró, da missa e do racha de fim de tarde, o que faço agora: olhar para o céu, na precisão, esperando pela chuva que o profeta disse que ia cair. Aliás, o profeta já pegou o beco para a capital na semana passada...Seca braba nojenta.
Chegando em Fortaleza, vou ficar na casa de um primo meu num bairro chamado Bom Jardim. O canto lá é pequeno, mas deve caber mais um. Dizem que o local é meio barra-pesada, mas certamente muito melhor do que a situação aqui. Primeira coisa que vou fazer: ir à praia tomar banho de mar, o que nunca fiz, tirar o caé dessa miséria, ver o mulherio nu, rolar na areia até de noitinha. Instalado, vou fazer a minha parte do plano: invadir um terreno alagadiço que tem nos fundos de uma fábrica lá no bairro. Vamos chegar no fim de semana, de noite, quando não tem ninguém, acertar os lotes, armar os barracos de estaca e plástico preto e aí a marmota está feita. Quero ver quem é que tira a gente de lá. Já temos apoio de líder comunitário, vereador e de uma tal de ONG, que eu não sei ainda o que é. A ideia é botar a faca nos peitos da Prefeitura para que ela arrume umas casas de verdade para nós. Com as casas no papo, a gente vende e faz tudo de novo. Todo mundo quer e tem direito a ter as suas coisas. Por que não eu, doido?
Lá vem a condução. Respeite a lata velha danada. Daqui para lá vão ser bem umas sete horas de viagem. Vou esconder o dinheiro na cueca para vagabundo não me roubar. Fiquem com Deus e Nossa Senhora do Desterro. É para a frente que as malas batem. Ô seca braba nojenta...

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