O homem é o lobo do homem, disse Hobbes com razão. Em seu “Estado de
Natureza”, os seres humanos são iguais, têm os mesmos desejos, as mesmas
carências e um instinto inato de preservação da vida. Daí, para o
filósofo inglês, a naturalidade da contenda, do conflito, da guerra
cotidiana entre nós. Vivemos tempos difíceis. A ambição e a cobiça, de
mãos dadas, pousam seus olhares no que é alheio, premeditando o assalto
fatal. Sem dúvida, somos um país injusto e desigual; entretanto, a
maldade ultrapassa em muito a justificativa sociológica. Com a vista
tesa no tesouro, que às vezes nem é tão precioso assim, mata-se a torto e
a direito a preço de banana. As más notícias nos chegam em jornais
manchados de sangue. Benzemo-nos e continuamos.
O
sujeito já tinha umas boas oito mortes nas costas. À noite, deitado na
rede no esconderijo, um casebre caindo aos pedaços na periferia, pensava
nos que havia mandado para a cidade dos pés juntos. “Bando de cabra
morredor”, mangava ele, o cigarro no bico. “Me arrependo não. Pobre
daquele que o outro engole. Casou o dinheiro, fechou a rosca, quero nem
saber. Vou lá e crau. Depois é sair voado e ficar na moita um pedaço.
Que nem agora. Qualquer problema, o doutor resolve, foi para isso que
ele estudou”. Não fazia o que fazia por gosto ou coragem, agia por
costume. Como quem tem sede, abre a geladeira e bebe um copo d’água.
“Pior do que eu são esses políticos aí, magote de ladrão da cara lisa,
ruma de safado”. Sobre a mesa, o 38 tão usado.
O algoz, otário de primeira viagem, deu pista, caiu na malha policial e entregou o mandante. “Ô diabo é a liseira...”.
Crime
cometido, o assassinato rigorosamente planejado e executado, o corpo da
mulher rebolado como um saco de lixo no matagal, o negócio então era
acertar as contas com o contratante. Que não se fizesse de esquecido ou
desaparecesse, pois aí o cão saía da garrafa. Ligou do orelhão da
rodoviária interiorana para o gente fina anunciando o desfecho do caso.
Que pegasse o beco, desse o pira, aguardasse o lodo assentar. “E a minha
grana, cara? Não banque o covarde comigo não, senão...”. “Deixe quieto,
macho. O seu está garantido. A criatura tinha bufunfa igual a folha de
pau. Fique tranqüilo”. Não deu nem para o cadáver da defunta esfriar. O
algoz, otário de primeira viagem, deu pista, caiu na malha policial e
entregou o mandante. “Ô diabo é a liseira...”.
O militar
aposentado estava almoçando em casa quando ouviu um barulho esquisito lá
fora. Nu da cintura para cima, barrigudo, cruzou o portão metálico da
morada suburbana e deu de cara com três pivetes arrombando seu carro. Um
dos de menor, o mais franzino, a draga prateada faiscando na garra
magra, abarcou: “Fica na tua, coroa, que o possante aqui já é nosso”.
Escorado no muro pelos outros dois também armados, rua vazia àquela
hora, o ex-meganha implorou: “Deixe ao menos os documentos, vá lá,
considere aí”. “Eu ia até deixar, mas não vou mais, não gostei do seu
jeito de falar”. O reformado ouviu aquilo como uma sentença de morte.
Seis balaços vararam-lhe o corpo. Fim. Levou para a eternidade a visão
do frio semblante do bandido. Olhos de pedra.
"Haveria uma enraizada cultura do dar cabo de pessoas em nosso meio?"
E
assim se desenvolve o nosso lúgubre faroeste caboclo. Essas três
pequenas historietas, retiradas da nua e crua realidade, apenas nos
dizem como o morticínio anda banalizado por estas bandas. Haveria uma
enraizada cultura do dar cabo de pessoas em nosso meio? Seria o
homicídio um patrimônio cultural imaterial, um saber e fazer hediondo
por nós herdado de nossos ancestrais, compartilhado por um ror de bicho
de unha e orelha e refinado até o nível de expressão magistral?
Possuiriam os pistoleiros e celerados de toda a ordem a condição de
mestres do seu ofício? Ah, cabeça doida, para de pensar em besteira.
Ainda assim, como entender e analisar a cifra de 82 presuntos havidos no
último Carnaval? De súbito, ouço a sirene da Ronda do Quarteirão.
Fonte:http://www.opovo.com.br/app/colunas/romeuduarte/2015/03/09/noticiasromeuduarte,3403985/dias-crueis.shtml
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