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sexta-feira, 13 de março de 2015

Dias cruéis

O homem é o lobo do homem, disse Hobbes com razão. Em seu “Estado de Natureza”, os seres humanos são iguais, têm os mesmos desejos, as mesmas carências e um instinto inato de preservação da vida. Daí, para o filósofo inglês, a naturalidade da contenda, do conflito, da guerra cotidiana entre nós. Vivemos tempos difíceis. A ambição e a cobiça, de mãos dadas, pousam seus olhares no que é alheio, premeditando o assalto fatal. Sem dúvida, somos um país injusto e desigual; entretanto, a maldade ultrapassa em muito a justificativa sociológica. Com a vista tesa no tesouro, que às vezes nem é tão precioso assim, mata-se a torto e a direito a preço de banana. As más notícias nos chegam em jornais manchados de sangue. Benzemo-nos e continuamos.

O sujeito já tinha umas boas oito mortes nas costas. À noite, deitado na rede no esconderijo, um casebre caindo aos pedaços na periferia, pensava nos que havia mandado para a cidade dos pés juntos. “Bando de cabra morredor”, mangava ele, o cigarro no bico. “Me arrependo não. Pobre daquele que o outro engole. Casou o dinheiro, fechou a rosca, quero nem saber. Vou lá e crau. Depois é sair voado e ficar na moita um pedaço. Que nem agora. Qualquer problema, o doutor resolve, foi para isso que ele estudou”. Não fazia o que fazia por gosto ou coragem, agia por costume. Como quem tem sede, abre a geladeira e bebe um copo d’água. “Pior do que eu são esses políticos aí, magote de ladrão da cara lisa, ruma de safado”. Sobre a mesa, o 38 tão usado. 

O algoz, otário de primeira viagem, deu pista, caiu na malha policial e entregou o mandante. “Ô diabo é a liseira...”.

Crime cometido, o assassinato rigorosamente planejado e executado, o corpo da mulher rebolado como um saco de lixo no matagal, o negócio então era acertar as contas com o contratante. Que não se fizesse de esquecido ou desaparecesse, pois aí o cão saía da garrafa. Ligou do orelhão da rodoviária interiorana para o gente fina anunciando o desfecho do caso. Que pegasse o beco, desse o pira, aguardasse o lodo assentar. “E a minha grana, cara? Não banque o covarde comigo não, senão...”. “Deixe quieto, macho. O seu está garantido. A criatura tinha bufunfa igual a folha de pau. Fique tranqüilo”. Não deu nem para o cadáver da defunta esfriar. O algoz, otário de primeira viagem, deu pista, caiu na malha policial e entregou o mandante. “Ô diabo é a liseira...”.
 
O militar aposentado estava almoçando em casa quando ouviu um barulho esquisito lá fora. Nu da cintura para cima, barrigudo, cruzou o portão metálico da morada suburbana e deu de cara com três pivetes arrombando seu carro. Um dos de menor, o mais franzino, a draga prateada faiscando na garra magra, abarcou: “Fica na tua, coroa, que o possante aqui já é nosso”. Escorado no muro pelos outros dois também armados, rua vazia àquela hora, o ex-meganha implorou: “Deixe ao menos os documentos, vá lá, considere aí”. “Eu ia até deixar, mas não vou mais, não gostei do seu jeito de falar”. O reformado ouviu aquilo como uma sentença de morte. Seis balaços vararam-lhe o corpo. Fim. Levou para a eternidade a visão do frio semblante do bandido. Olhos de pedra.
 
"Haveria uma enraizada cultura do dar cabo de pessoas em nosso meio?"
 
E assim se desenvolve o nosso lúgubre faroeste caboclo. Essas três pequenas historietas, retiradas da nua e crua realidade, apenas nos dizem como o morticínio anda banalizado por estas bandas. Haveria uma enraizada cultura do dar cabo de pessoas em nosso meio? Seria o homicídio um patrimônio cultural imaterial, um saber e fazer hediondo por nós herdado de nossos ancestrais, compartilhado por um ror de bicho de unha e orelha e refinado até o nível de expressão magistral? Possuiriam os pistoleiros e celerados de toda a ordem a condição de mestres do seu ofício? Ah, cabeça doida, para de pensar em besteira. Ainda assim, como entender e analisar a cifra de 82 presuntos havidos no último Carnaval? De súbito, ouço a sirene da Ronda do Quarteirão.

Fonte:http://www.opovo.com.br/app/colunas/romeuduarte/2015/03/09/noticiasromeuduarte,3403985/dias-crueis.shtml

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