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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Junino coração

Mesmo tendo sido criado nesta Fortaleza e me acostumado desde cedo às mumunhas da selva de pedra, não posso deixar de dizer que me enterneço com a chegada de junho. Um não sei quê do sertão me invade, um vento bom interiorano me afaga o corpo e o cabelo, fazendo cafuné na alma. É quando o menino que ainda mora em mim solta os bichos, doido para largar de mão o uniforme e abraçar as férias a bordo de uma colorida arraia. O fim das águas coincide com a forte luz solar que a tudo aclara e que, nos últimos anos, tem também abrasado. O solstício demarca o início do verão e do inverno respectivamente nos hemisférios norte e sul. Os contornos da Natureza mudam aqui e ali, mas a memória permanece intacta. A cidade recobra a sua essência.

Entro no bar e as garçonetes, com trajes axadrezados, tranças postiças e chapéus de palha, me atendem solicitamente. O mesmo se deu, antes, no shopping center, no supermercado, na loja de materiais de construção. Observo a incontornável decoração dos ambientes neste período: bandeirinhas e balões multicores armam sobre nossas cabeças arraiais improvisados, com limites definidos por cercas de isopor pintado e pórticos de palmas de coqueiro. Engraçado pensar na convivência de uma renitente compreensão rural da vida, na qual o tempo é marcado pela vagareza dos ciclos naturais, com a velocidade cibernética dos dias que correm. Quem sabe disso são os pais, com seus filhos vestidos à matuto na festa do colégio, curtindo o anarriê e anavantú. 

Um não sei quê do sertão me invade, um vento bom interiorano me afaga o corpo e o cabelo, fazendo cafuné na alma 

Contudo, o mês dedicado a Juno, a voluntariosa mulher de Júpiter, não é somente rosas. Aproveito para registrar aqui as minhas queixas. Vejo na TV as intermináveis evoluções coreográficas de uma quadrilha. Moças e rapazes, mais parecendo dançarinas de can-can e cubancheros, saracoteiam sem parar ao som de um forró plastificado, menos valorizando do que descaracterizando uma tradição. E o desastre não termina aí: experimente degustar alguma iguaria na barraca junina. A gastronomia politicamente correta, magrela e autoritária, manda em tudo, eliminando sem pena o dulcíssimo aluá, os oleosos bolos de grude e carimã, os gordos sarapatel e sarrabulho. Ah, Santo Antônio, São Pedro e São João, santos milagreiros, orai por nós e por nossa fome atroz.
 
E por falar em São João, que, aliás, era João Batista, esta quadra do ano me faz lembrar de um seu homônimo, Vilanova Artigas, arquiteto, professor e cabra macho, a quem rendo homenagem pela passagem do seu centenário neste 2015. Nascido na véspera da data consagrada ao primo de Jesus, curitibano radicado em São Paulo, concebeu a escola paulista de arquitetura, que tem no prédio da FAU sua melhor tradução. Tive o privilégio de conhecê-lo quando entrei na escola da UFC, numa visita que fez ao curso, lá se vão mais de três décadas. Com o cenho franzido e os dentes cerrados, expôs toda a sua obra para uma plateia de professores e estudantes encantados. Ao final, passou a régua: “o colonizado não pode ser gentil”. Bingo. Lá fora, bombas mil.

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