Endereço: Av. Carapinima, 2425 - Benfica |Cep: 60015-290 - Fortaleza - CE |Tel: (85) 3283.5454 / 88973480
Email: iabce@iabce.org.br| Site oficial do IAB-CE | Página Facebook | Perfil Facebook | Twitter

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Mais negro que a noite

Quando a multidão se preparava para atravessar o cruzamento da Treze de Maio com a Avenida da Universidade, em pleno Benfica na hora do Ângelus, o bicho pegou. Não quis nem saber se estávamos cansados, doidos para chegar em casa, tomar um banho, jantar e descansar. Simplesmente desabou sobre a cidade, fazendo-se palpável na escuridão que ampliou. Um escuro de causar medo e pânico, um negror quase concreto, um tijolo negro sobre as nossas cabeças apavoradas. Nesse momento, os veículos se engalfinharam numa luta barulhenta por espaço e passagem. Vias trancadas, intolerância de parte a parte, um engarrafamento monstro. Só as motos eram livres, zunindo por entre os pedestres. No breu, ninguém é cidadão. A fera que nos habita, acorda feroz.

Passou um carro em disparada e o passageiro, fuleiro, gritou: “É o fim das eras! É o apocalipse!”. Era apenas um apagão, mais um, aliás, fenômeno misterioso e de causas inexplicáveis, problema que político adora varrer para debaixo do tapete da pouca vergonha. Seria tal ocorrência um soluço da eletricidade, uma seca repentina sofrida pelas cachoeiras, uma peça pregada no sistema urbano de energia por raio ou estrela cadente? A palavra sugere arrepios desde a lúgubre goleada com que a Alemanha nos sovou na última Copa. No céu, a lua era ver o olho rútilo de uma pantera. Nas calçadas, aflitas, as pessoas ligavam para os seus dando conta da má notícia, a demora do ônibus, o perigo na rua, o menino que não chega. O casal de namorados só ria.

Exaustos de tanto esperar, alguns resolveram arriscar-se na Domingos Olímpio. No caminho, viram gente aos magotes, pais abraçados aos filhos, amigos aos amigos, estranhos irmanados, todos receosos do pior. “Fortaleza, Terra da Luz? Arre égua, só se for da luz negra”, disse um revoltado, confundindo a libertação dos escravos com o negrume total. O comércio de portas arriadas, o conservatório fechado, as residências vedadas, que é do churrasquinho de gato nas coxias da Economia? “É geral, é da Aldeota ao Bom Jardim, da Barra do Ceará a Messejana, com a Parangaba no meio”, reportou um transeunte, celular colado ao ouvido. O olhar atento nas esquinas, o temor ancestral, o arrastão bem acolá, com a faca na boca. Agora era cada um por si.

Foi só por os pés na grande artéria que a sorte nos contemplou. Aos poucos, os lares se acendiam com urros e aplausos de felicidade. Os semáforos, por um bom tempo apagados, voltaram à sua colorida lida diária. “Vida é iluminação”, disse baixinho um monge tibetano disfarçado de gari da Prefeitura, enxugando uma na birosca instalada sobre o passeio. Mais tarde, no táxi, o chofer esotérico cismava: “Isso, doutor, foi o resultado do campo magnético formado pela ruma de naves alienígenas estacionadas em torno do planeta. Estamos sendo observados. Temos ETs entre nós. Dia desses, levei um deles para comer caranguejo lá na Praia do Futuro. Pense num cabra feio”. Nem discuti, emoção demais para um dia só. Lá fora, a Loura vaiava o final da treva.

Romeu Duarte

Nenhum comentário:

Postar um comentário